A Doutrina Social da Igreja
- Sex, 26 de Agosto de 2011
- Seção:
- Categoria: História da Civilização
Ricardo Bergamini
A Questão Operária
Diz o Papa Leão XIII (Rerum Novarum):
“O século passado destruiu, sem substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma proteção; os princípios e o sentimento religiosos desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornam o quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão de proletários”.
O Estado é Posterior ao Homem
“E não se apele para a providência do Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se, já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência”.
Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o fato de que Deus concedeu a terra a todo o gênero humano para gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos. Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa, unicamente, que Deus não assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar limitação das propriedades à indústria humana e às instituições dos povos. Aliás, posto que dividida em propriedades particulares a terra não deixa de servir à utilidade comum de todos, atendendo a que ninguém há entre os mortais que não se alimente do produto dos campos. Quem não os tem, supre-se pelo trabalho, de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida, o quer se exerça num terreno próprio, quer em alguma arte lucrativa, cuja remuneração, apenas, sai dos produtos múltiplos da terra, com os quais ela se comuta” (Rerum Novarum).
Despotismo Econômico
Diz o Papa Pio XI:
“É coisa manifesta que em nossos tempos não só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam a seu talante.
Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam, que ninguém pode respirar sem sua licença.
Este acumular de poderio e de recursos, nota característica da economia atual, é conseqüência da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver ordinariamente os mais fortes, isto é, os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência.
Por outra parte, este mesmo acumular de poderio gera três espécies de luta pelo predomínio: primeiro luta-se por alcançar o predomínio econômico, depois se combate renhidamente por obter o predomínio no governo da nação, a fim de poder abusar do seu nome, forças e autoridade nas lutas econômicas; enfim, lutam os Estados entre si, empregando cada um deles a força e influência política para promover as vantagens econômicas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e predomínio econômico para resolver as questões políticas que surgem entre as nações” (Quadragesimo Anno)”.
Comunismo e Cristianismo
Diz o Papa João XXII (Mater et Magistra):
“Entre comunismo e cristianismo, o Pontífice (Pio XI) declara novamente que a oposição é radical. E acrescenta não poder admitir-se de maneira alguma que os católicos adiram ao socialismo moderado: tanto porque ele foi construído sobre uma concepção da vida fechada no temporal, com o bem-estar como objetivo supremo da sociedade; como porque fomenta uma organização social da vida comum tendo a produção como fim único, não sem grave prejuízo da liberdade humana, como ainda porque lhe falta todo o princípio de verdadeira autoridade sócia”.
A Cruel Situação Econômica. Seus Remédios
“Nem deixa Pio XI de notar que, nos quarenta anos passados desde a promulgação da Encíclica Leonina, a situação histórica mudara profundamente. A livre concorrência, em virtude da dialética que lhe é própria, tinha acabado por destruir-se a si mesma ou pouco menos; levava a uma grande concentração da riqueza e acumulação de um poder econômico desmedido nas mãos de poucos, os quais, muitas vezes, nem sequer eram proprietários, mas simples depositários e administradores do capital, de que dispunham a seu bel-prazer”.
“Para remediar tal situação, o Supremo Pastor indica, como princípios fundamentais, o regresso do mundo econômico à ordem moral a subordinação da busca dos lucros, individuais ou de grupos, às exigências do bem comum. Isto comporta, segundo o seu ensinamento, a reorganização da vida social mediante a reconstituição de corpos intermediários autônomos com finalidade econômica e profissional, criados pelos particulares e não impostos pelo Estado; o restabelecimento da autoridade dos poderes públicos para desempenharem as funções que lhes competem na realização do bem comum; e a colaboração em plano mundial entre as comunidades políticas, mesmo no campo econômico” (Mater et Magistra).
Deus: Fundamento da Ordem Moral
“A confiança recíproca entre os homens e os Estados só pode nascer e consolidar-se através do reconhecimento e do respeito pela ordem moral. A ordem moral não pode existir sem Deus. Separada d‘Ele, desintegra-se, pois o homem não consta só de matéria: é um ser espiritual, dotado de inteligência e liberdade. Exige, portanto, uma ordem moral e religiosa, que, mais do que todos e quaisquer valores materiais influa na direção e nas soluções que deve dar aos problemas da vida individual e comunitária, dentro das comunidades nacionais e nas relações entre estas. Foi dito que, na era dos triunfos da ciência e da técnica, os homens podem construir a sua civilização, prescindindo de Deus. A verdade é que mesmo os progressos científicos e técnicos apresentam problemas humanos de dimensões mundiais, apenas solúveis à luz de uma sincera e ativa fé em Deus, princípio e fim do homem e do mundo” (Mater et Magistra).
Deus: Fonte da Verdade, Justiça e Amor
“O erro mais radical na época moderna é considerar-se a exigência religiosa do espírito humano como expressão do sentimento ou da fantasia, ou então como produto de uma circunstância histórica, que há de eliminar como elemento anacrônico e obstáculo ao progresso humano. Ora, é preciso nesta exigência que os seres humanos se revelam tais como são verdadeiramente: criados por Deus e para Deus, como exclama Santo Agostinho: Foi para Ti, Senhor, que nos fizeste; e o nosso coração anda-nos insatisfeito, até que descanse em Ti. Portanto, qualquer que seja o progresso técnico e econômico, não haverá no mundo justiça nem paz, enquanto os homens não tornarem a sentir a dignidade de criaturas e de filhos de Deus, primeira e última razão de ser de toda a criação. O homem separado de Deus, torna-se desumano consigo mesmo e com os seus semelhantes, porque as relações bem ordenadas entre homens pressupõem relações bem da consciência pessoal com Deus, fonte de verdade, de justiça e de amor” (Mater et Magistra).
O autor é Professor de Economia