A sinistrose (19/11/71).

Esse neologismo não é meu (nem do Roberto Campos, seu maior fabricante). É de Louis Pauwells, autor de um quase best-seller: Carta aberta à gente feliz, que é, diga-se de passagem, de ruindade literária quase homogênea (para usar a expressão de Colin Clark sobre um livro de Galbraith), mas de muito boa filosofia e de sadia reação contra um pessimismo que, nos tempos que correm, se vai alastrando com fundamentos tão mórbidos quanto desconexos.

 

O livro denuncia essa raiva da felicidade que é uma espécie de poluição intelectual, diz o autor, transmitida por professores mentalmente desequilibrados, os quais, sob pretexto de salvarem a humanidade, pregam o desespero.

 

O quadro é bem desenhado: “Somos contaminados por uma teoria do fracasso e do absurdo, infiltrada em quase toda a literatura contemporânea, formando-se uma igreja do pessimismo, onde se encontram os descontentes com a civilização, os que sofrem com a felicidade alheia e os que buscam notoriedade a qualquer preço, todos para pregar a cruzada da destruição”.

 

Só se reputam bons artistas e verdadeiros intelectuais os que vivem à sombra do apocalipse. Há mais de meio século que uma literatura imbuída de niilismo propaga no seio da juventude o espírito da revolta e a gana da destruição.

 

Superpopulação, poluição, consumo obsessivo são os veículos que disseminam o veneno Não vêem, como diz Aron, a propósito da poluição, que só a técnica permite curar os males criados pela própria técnica.

 

A idéia de que o mundo ocidental é inviável atormenta os espíritos dos que, de outra forma, tudo teriam para ser felizes.

 

Não se trata de reação de massas descontentes, nem de marxismo. Vem das elites de psicopatas que se pretendem intelectuais e que propagam negação e destruição. Profetizam a revolução pelo simples fundamento de que as coisas não podem continuar assim e de que a era da energia nuclear, da viagem a Lua e dos raios-Laser impõem radicais transformação (que eles não dizem quais são) para a vida dos homens.  

 

Um dos mais caudalosos afluentes dessa doutrina é a esquerda sacerdotal, que, na ânsia de uma notoriedade que a vida religiosa não proporciona, vem nos últimos vinte anos intoxicando a alma da juventude desprevenida e indefesa.

 

Herbert Marcuse, o mais proeminente dos ideologistas da nova esquerda, escrevia em 1967: “Por enquanto, a alternativa (à sociedade ocidental) é ainda e somente a negação”.

 

A sinistrose não admite o exame da evolução, econômica e social das sociedades humanas, nem o progresso realizado pelo homem nos últimos cem anos para compreensão do universo em que vive.

 

Nada disso. A tarefa construtora seria árdua demais para a capacidade dos contestatários e não teria uma fração sequer da audiência e da receptividade que conseguem os negativistas. Daí a confusão que domina a mocidade, só sabendo expressar-se pelo volume capilar, pela sujeira e pelos entorpecentes, elementos com que pretende promover a revolução social que não sabe qual é.

 

O autor de Carta aberta à gente feliz, Louis Pauwells, não fez parte da juventude desorientada que por aí anda parasitando. Nasceu pobre, filho do povo. “Eu ia à escola”,m escreve ele, “com as pernas enroladas em papel de jornal e ma lanterna na mão, nos dias de mau tempo”. O que confirma a tese de um trabalho do Prof. Nisbet, publicado o ano passado em Encounter, de que é características nos estudantes das classes média e abastada que se encontra a grande maioria dos negativistas.

 

O livro de Pauwells é expressão sincera e corajosa de alguém que não se arreceia de abrir luta contra o pessimismo, a negação e a contestação sistemática, que desnorteiam os espíritos e procuram destruir a felicidade onde a encontram.

 

*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

 

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

 

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

 

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

 

 

Ricardo Bergamini
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