Depoimentos sobre o movimento cívico - militar de 31 de março de 1964

Sáb, 27 de Agosto de 2011
Seção:
Categoria: 1964

Está página foi aberta para depoimentos de todos os participantes, diretos ou indiretamente, do movimento cívico-militar de 31 de março de 1964, com o objetivo do resgate da verdade histórica. Participem!!!!!!!!

"POVO QUE NÃO RESPEITA SEU PASSADO E SUA HISTÓRIA NÃO É DIGNO DE FUTURO"

Depoimento do Coronel do Exército da reserva Renato Penteado Teixeira



A discussão sobre a história é apaixonante e nos trás muitas recordações. Algumas boas, outras nem tanto e também até cenas cômicas ou prosaicas.

A Revolução, no meu entender foi um movimento que cresceu de diversas maneiras. Houve alguma elucubração nos altos escalões. É inegável. Inegável também são as qualidades de estadista do Marechal Castello Branco.

Houve participação ativa e trabalho de arregimentação feito por capitães e tenentes, que arriscavam serem transferidos para guarnições longínquas se fossem descobertos em seu trabalho "subversivo". Sei muito bem disso, pois fui contatado por um tenente companheiro de turma, vindo de São Paulo, que inicialmente me sondou e notei sua atuação e coloquei-o à vontade e então abriu o jogo e passamos a trabalhar juntos.

Havia um grande apoio do empresariado paulista, pois sabiam muito bem, que a socialização iminente acabaria com suas empresas ou as tornaria estatais dirigidas por camaradas do partido, ao estilo URSS. Havia participação de grande massa de graduados, descontentes com a decadência da hierarquia e com o aviltamento de seus vencimentos. Se um tenente ganhava menos que os proeiros das barcas Rio-Niterói, aqueles que amarram a barca quando ela chega ao cais, um sargento ganhava menos que um trocador de bonde.

Dentro desse quadro degradante e humilhante assistimos ao comício da Central do Brasil, há exatamente 37 anos, dia 13Mar64. Foram designados oficiais e sargentos para representarem suas OM no ato público. Os chefes não titubearam em cumprir essa determinação do governo. De minha Unidade em Niterói, a 1a/1o GACOs, Forte do Imbui, foram dois tenentes e quatro sargentos.

Assim que se já havia descontentamento, ele cresceu mais ainda depois daquele promíscuo comício em que o Presidente da República e sua esposa se ombrearam com as forças mais à esquerda e anti-brasileiras que haviam naquele tempo. Havia revolta e repúdio à omissão dos chefes que a tudo consentiam e se submetiam ao famoso tripé militar de Jango. O ministro da Guerra, o Chefe da Casa Militar, Gen Assis Brasil e o Cmt do I Ex.

Houve interferência americana? Que eu saiba , se houve foi tão discreta que não deu para notar. Acho que houve na cabeça da imprensa esquerdista. O que houve mesmo foi uma explosão espontânea, que uniu os militares e os civis numa cruzada de salvação dos princípios da civilização ocidental e da democracia, que estavam seriamente ameaçados.

Dois dias antes da Revolução eclodir chegou às Unidades uma mensagem do Ch EME, Gen Castello Branco pedindo que os militares se mantivessem tranqüilos e dentro da lei, em obediência à Constituição e aos poderes legalmente constituídos, pois os Chefes tinham a situação sobre controle e a legalidade seria preservada. Puro engodo. Estávamos revoltados e dispostos a tudo para depor a canalha corrupto-vermelha, que como agora, se apoderara do controle da nação e lamentamos aquela mensagem.

Aí veio a noite de 30 de março com o derradeiro ato de Jango no ultrajante comício do Automóvel Clube. Entrementes já havia aquele problema da Marinha com a participação do de triste memória, senhor Aragão, me recuso a designar-lhe uma patente.

Após esse comício, que o Rio assistiu pela TV, antes de me deitar disse para minha mulher que levaria uma mochila com roupas para o quartel, pois sabia que de lá não voltaria tão cedo.

No dia seguinte o expediente foi dos mais estranhos possíveis. Ninguém deu instrução ou cuidou da administração. Só o rancho funcionou normalmente. Oficiais e sargentos conversavam e aguardavam o óbvio. Aquilo que estava para acontecer.

Já passava das 16 horas e nada havia de novo. Aí chegou o estafeta e disse que o ministério estava cercado por carros de combate e o trânsito interrompido na Av. Pres Vargas naquele trecho. O Cmt mandou sustar o toque de Ordem. Ninguém sai, pois desencadear o Plano de Chamada era complicadíssimo, porque a maioria dos oficiais e sargentos morava no Rio e ninguém tinha esse objeto raro que era uma linha telefônica.

Creio que lá pelas 17:30 entra um tenente agitadíssimo no cassino dos oficiais onde estávamos aguardando, dizendo que havia dado no rádio que Magalhães Pinto, Gen Guedes e Gen Mourão haviam declarado Minas desligada da União e estavam estabelecendo um governo autônomo..

Ficamos perplexos. Não era aquilo que esperávamos, mas não sabíamos que atitude tomar. O Cmt permanecia em seu gabinete e nós, sob a liderança do Cap Vitor Augusto da Silva(1951) resolvemos aderir à atitude mineira pois percebêramos que aquilo era uma maneira de mobilizar toda nação. Mas o que poderíamos fazer? Uma bateria de Artilharia de Costa não é o tipo de tropa apta para fazer uma Revolução!

Pela rede rádio UHF da ACOs/1 soubemos que o Forte de Copacabana do Cel Arídio Brasil, o Dunga, havia dado o famoso basta e aderido publicamente à revolta de Minas Gerais. Foi a primeira Unidade carioca que se posicionou oficialmente como revoltada. O Cmt da Artilharia de Costa, cujo quartel era ao lado do Forte abandonou com seu Estado-Maior seu quartel e foi para o Ministério.

Foi nesse QG abandonado que o então Cel Montanha, instrutor da ECEME e um grupo de oficiais alunos deu um golpe de mão e ocupou-o. Ficou para muitos a errônea impressão que haviam tomado o Forte. mas esse há horas já aderira.

Lá pelas seis da tarde o Cmt faz uma reunião e diz que recebera ordem para impedir que qualquer belonave saísse da barra. A missão era atirar em quem tentasse sair. Constava na ordem que ele recebeu que parte da Marinha Brasileira havia aderido ao movimento.

Como Cmt da Câmara de tiro aleguei a impossibilidade de atirar pois havia um problema no dispositivo de iluminação noturna no telêmetro e não poderia estabelecer a rota correta do alvo.

Perguntou-me se dava para executar o Tiro de Emergência, mas o Cmt da Linha de Fogo se antecipou e disse que a munição estava no paiol e teria que esperar que fossem busca-la e o Oficial de Transportes alegou que a viatura da munição estava indisponível. Diante de tantos óbices, decidiu aderir à Revolução, pois não era bobo, nem burro e percebeu de que lado estávamos. se deu bem. Depois de tudo serenado deram-lhe uma bela função, o que não era o objetivo da canalha sublevada, que só queria botar os comunas na cadeia e bem depressa.

À noite houve a adesão da AMAN comandada pelo Gen Médice que acolheu a tropa do II Ex comandada pelo Gen Kruel. Foi grande a nossa vibração e passamos a noite em claro acompanhando o desenrolar das adesões à Revolução.

No dia seguinte houve a heróica defesa do Palácio Guanabara feita por Carlos Lacerda e o Cap. Pitaluga e o fracasso do Cel Virmond do 8o GACOs M do Leblon que pretendeu atacar com sua tropa o Forte de Copacabana e foi barrado por uma formidável trincheira de carros particulares que cercaram os acessos ao forte e aderiram à Revolução. Estas emocionantes cenas foram transmitidas ao vivo pela TV Rio que também aderira ao movimento tendo entre seus diretores o meu jovem amigo de mocidade e de muitas festas na Zona Sul, Valter Clarck Bueno, que depois como diretor global e devidamente patrulhado reviu sua postura de março de 64.

Houve muita coisa no rescaldo do "incêndio", mas acabaria transformando esse texto em um livro. Só para concluir vou aduzir o seguinte: contam que um grupo de oficiais entrou no gabinete de Miguel Arraes que estava reunido com o Gen Justino e o mais antigo deu-lhe voz de prisão. Aí Justino perguntou, " e eu? ", ao que foi-lhe dito, o senhor é nosso Cmt e ele partiu para a glória. Como dizia o italiano da novela, "no se e vero, mas e bene trovato"( alô Chiareli, corrija o meu portuliano).

E o Marechal Castello Branco? Bem, um amigo meu que já desembarcou, disse-me sobre isto certa vez o seguinte:" os revolucionários, tão logo a Revolução se consolida são descartados, pois são perigosos. O poder deve permanecer com os frios e racionais, os apaixonados são homens perigosos e instáveis".

Saudações revolucionárias,

13 de março de 2001