O terrorismo no Brasil

Sáb, 27 de Agosto de 2011
Seção:
Categoria: 1964

*Raymundo Negrão Torres

AS FACES DO TERRORISMO


O terrorismo tem muitas faces, mas é essencialmente um ato de guerra; de uma guerra irregular, não declarada e não convencional. Suas regras são estabelecidas pelo agressor que escolhe o modo e o momento do ataque. Visa causar pânico e tornar inseguro o adversário, além de convencer a população da incapacidade do governo de controlá-lo e combatê-lo, levando sua repressão a tornar-se impopular pelas restrições que as medidas retaliatórias exigem. No terrorismo, o dano real obtido é muitas vezes secundário, em comparação com os efeitos psicológicos da intimidação, do medo e da propaganda. O terrorismo pode ser indiscriminado ou seletivo; sua arma principal é a bomba, mas pode usar o seqüestro, o assassinato, as ameaças, o justiçamento e a vingança. Para obtenção de recursos utiliza o assalto a bancos que denomina de "expropriação". Age nas sombras da clandestinidade e explora as franquias do sistema democrático.

O terrorismo no Brasil, nos chamados "anos de chumbo", apresentou todas essas faces, pois o seu grande inspirador e ideólogo, Carlos Marighella, com seu "Mini-manual do Guerrilheiro Urbano", constituiu-se em fonte de ensinamento e de referência mundial, tanto para outros grupos terroristas - como o alemão Baader-Meinhoff e as Brigadas Vermelhas italianas, entre outros -, como para estudiosos do terror, como a jornalista americana Claire Sterling, em seu livro "A Rede do Terror" (Editorial Nórdica- Rio de Janeiro-1981), ou o general inglês reformado Richard Clutterbuck, em seu ensaio sobre o terror irlandês, "Guerrilheiros e Terroristas" (Biblioteca do Exército Editora -1980) ou o professor alemão Friedrich Von Der Heydte, em seu livro "A Guerra Irregular Moderna" (Biblioteca do Exército Editora - 1990). Embora de curta existência, graças à eficácia enérgica da reação, o terrorismo no Brasil deixou exemplos emblemáticos da aplicação dos ensinamentos de Carlos Marighella como veremos nos casos históricos, a seguir relatados e que convém relembrar.

O dia 8 de outubro de 1968 assinalaria o primeiro aniversário da morte de Ernesto "Ché" Guevara na Bolívia e os nossos terroristas resolveram comemorá-lo com um justiçamento. Um arremedo de "tribunal revolucionário" foi montado sob a presidência do ex-sargento do Exército Onofre Pinto e mais dois membros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). O réu, julgado à revelia e condenado, foi o capitão do Exército americano Charles Rodney Chandler que, depois de cumprir missão no Vietname, viera com a esposa e três filhos menores fazer um curso na Escola de Sociologia e Política da Fundação Álvares Penteado, em São Paulo. A acusação, segundo os terroristas, era que o capitão seria um agente disfarçado da CIA e estava aqui para ajudar na repressão, coisa que, ao que parece, esqueceram de mencionar no panfleto que deixaram no local do assassinato do jovem capitão. Do grupo de execução fazia parte Pedro Lobo de Oliveira que deixou no livro de Antônio Caso, "A Esquerda Armada no Brasil", publicado em Havana, Cuba, um frio e cínico depoimento sobre o feito.

Como no dia 8 Chandler não saiu de sua casa na rua Petrópolis, no tranqüilo bairro do Sumaré, na capital paulista, a sentença só pôde ser executada no dia 12, pouco depois das oito horas da manhã, na frente de sua esposa e dos filhos - o mais velho com apenas 4 anos de idade - quando o capitão saia de casa para a Faculdade. Para maior efeito de propaganda, os assassinos espalharam panfletos em que a VPR tentava explicar e justificar o seu ignóbil ato "ao eliminar um inimigo do povo do Vietname e criminoso de guerra".

Em meio aos rachas, fusões e confusões em que se debatiam os grupelhos subversivos, surgiu em 1968 uma nova organização que adotou o pomposo nome de Comando de Libertação Nacional (COLINA) e escolheu o caminho da luta armada e do terrorismo. A par de roubos de bancos e de armas, surgia a espetacular oportunidade para um justiçamento de grande repercussão internacional.

Um ex-sargento da Aeronáutica, João Lucas Alves, obteve a informação de que o capitão boliviano que teria prendido Guevara e colaborado na sua eliminação e sumiço, era um dos alunos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército brasileiro no Rio de Janeiro. O justiçamento do capitão Gary Prado seria um feito que desagravaria os revolucionários da América Latina, frustrados com o fracasso de suas tentativas de aqui estabelecer os seus vários "vietnames".

Segundo o insuspeito depoimento do escritor comunista Jacob Gorender, em seu livro "Combate na Trevas" (Editora Ática -SP- 5a Ed.- 1998, pag.141), "no começo da noite de 1° julho de 1968, João Lucas Alves, Severino Viana Colon (ex-sargento da Polícia Militar da Guanabara) e mais um terceiro integrante do grupo de fogo dirigiram-se, num Fusca cor gelo, à rua Engenheiro Duarte na Gávea. Ali interceptaram o oficial, abateram-no com dez tiros e levaram sua pasta. Ao abri-la, surpresa esmagadora: o oficial justiçado não era Gary Prado, mas Edward Ernest Tito Otto Maximilian von Westernhagen, major do Exército da Alemanha Ocidental. O COLINA não podia assumir o terrível engano e silenciou. O episódio permaneceu misterioso, mas hoje não há razão para deixar de esclarecê-lo." João Lucas Alves foi um dos participantes da rebelião dos sargentos da Aeronáutica em 1963, em Brasília, e sua família recebeu recentemente a indenização que o governo do Sr. Fernando Henrique vem pagando, às custas do contribuinte brasileiro, a guerrilheiros e terroristas. A família de Severino Viana Colon que suicidou-se na prisão, não se habilitou ao mesmo benefício.

A BOMBA NO AEROPORTO

Estava assaz movimentado o Aeroporto Internacional de Guararapes naquele começo de manhã de 25 de julho de 1966. Além do elevado número de pessoas, habitual em um grande terminal aéreo, havia muita gente que viera recepcionar o general Arthur da Costa e Silva, candidato do partido do governo - ARENA - à Presidência da República. Castello Branco não conseguira fazer vingar uma candidatura civil ou mesmo a de um "híbrido" - como Ney Braga, Costa Cavalcanti ou Jarbas Passarinho - com que pretendia encaminhar a reconstitucionalização do país e o progressivo retorno à normalidade democrática, após o interregno de autoritarismo mitigado que se seguira à deposição do Sr. João Goulart e que ele, Castello, desejava fosse o mais breve possível. Talvez se arrependesse então de ter-se deixado levar pelo sentimentalismo e não ter nomeado outro ministro para o Exército, logo que assumira a presidência, como fizera com os outros dois ministérios militares. Dera trunfos à chamada "linha dura" e agora tivera que - além de defrontar-se com a fúria de Carlos Lacerda - engolir aquele "sapo" enorme. Sua esperança é que, com as reformas que empreendera e com a nova Constituição que pretendia fazer votar, as coisas seguissem seu rumo normal. Deixava um plano decenal para a economia e tinha esperança que as amargas, mas necessárias, sementes plantadas dessem seus frutos e que a modernização do país, que iniciara, pudesse superar os ressentimentos e o radicalismo político que ainda existiam. Estava enganado. Os comunistas estavam dispostos a derrubar o governo à bala e com bombas.

Poucos minutos depois das oito horas, chegava a notícia de que houvera uma "pane" no avião que conduzia o candidato e ele chegaria à Recife por terra Muitas pessoas que o esperavam começaram a deixar o aeroporto. Nesse momento, o guarda-civil Sebastião Tomaz de Aquino viu, "esquecida" a um canto do saguão uma valise escura e a apanhou para entregá-la no balcão de "Achados e Perdidos". Segui-se violenta explosão que, além de grande destruição das instalações, causou pânico e correria e deixou o trágico saldo de 17 vítimas. Ao se dissipar a fumaça da explosão, jaziam mortos no chão do aeroporto o jornalista e Secretário do Governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho e o almirante da reserva Nelson Gomes Fernandes. O guarda-civil Sebastião - o Paraíba, um antigo e popular jogador de futebol do Santa Cruz - teve a perna direita amputada e o tenente-coronel do Exército Sylvio Ferreira da Silva - que como general comandou anos mais tarde a Brigada de Ponta Grossa, aqui no Paraná - além de ferimentos generalizados, teve amputação traumática de quatro dedos da mão esquerda. O acaso, transferindo o local da recepção, impediu que a tragédia fosse maior.

O criminoso ato de terrorismo foi atribuído, na época, sem provas conclusivas, a militantes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Hoje, sabe-se que o ato foi obra dos rumos tomados pelo "maoísmo cristão" da Ação Popular (AP). E quem o afirma, baseado em pesquisas e entrevistas iniciadas em 1979, é Jacob Gorender, um veterano dirigente comunista, em seu livro Combate nas Trevas, cuja primeira edição foi publicada em 1988. Às paginas 122 e seguintes, entre outras coisas, afirma Gorender:

"Enquanto Herbert de Souza e Jair Ferreira de Sá buscam contato com Brizola em Montevidéu, Paulo Wright e Alípio de Freitas (ex-padre católico) conseguem sair do Brasil e chegar à Cuba onde fazem treinamento guerrilheiro. Em 1965, já é taxativa a decisão da AP de tomar o caminho da luta armada. Passando ao terreno prático, a direção da AP criou uma Comissão Militar incumbida de ministrar cursos de emprego de armas e explosivos. Membro da Comissão Militar e dirigente nacional da AP, Alípio de Freitas encontrava-se em Recife em meados do ano de 1966, quando se anunciou a visita do general Costa e Silva... Por conta própria, Alípio resolveu promover uma aplicação realista dos ensinamentos sobre a técnica de atentados."

Um dos executores do atentado, revelado pelas pesquisas e entrevistas promovidas por Gorender, é Raimundo Gonçalves de Figueiredo, codinome Chico, que viria, mais tarde a ser morto pela polícia de Recife em 27 de abril de 1971, já como integrante da VAR-Palmares e utilizando o nome falso de José Francisco Severo Ferreira, com o qual foi autopsiado e enterrado. Esse terrorista é um dos radicais que hoje são apontados como tendo agido em defesa da Democracia e cujos "feitos" estão sendo recompensados pelo atual governo, às custas do contribuinte brasileiro, com indenizações e aposentadorias que poucos trabalhadores recebem, recompensa obtida graças ao trabalho faccioso e revanchista da famigerada Comissão de Mortos e Desaparecidos, instituída pela Lei no 9140, de 4 de dezembro de 1995. É um dos nomes glorificados no livro "Dos filhos deste solo"(pag. 443), editado com dinheiro dos trabalhadores e no qual Nilmário Miranda, ex-militante da POLOP e atual deputado do PT, faz a apologia do terrorismo e da luta armada, através do resultado dos trabalhos da tal Comissão, da qual foi o principal mentor. Ainda hoje Nilmário procura ossadas de ex-terroristas pelo Brasil a fora.

A BOMBA CONTRA O QUARTEL-GENERAL

O oficial desceu da ambulância no portão de entrada do Hospital Militar do Cambuci, em São Paulo, acompanhado de outro oficial e de dois soldados. O sentinela imaginou que se tratasse da costumeira ronda; por isso, ao lhe ser solicitada a entrega da arma "para inspeção" não hesitou. Ato contínuo, foi amarrado e amordaçado com um esparadrapo. No portão dos fundos do hospital a cena se repetiu. Assim, iniciou-se o audacioso assalto promovido pela organização terrorista Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que dominou o restante da Guarda que dormia e apossou-se, sem disparar um tiro, de onze fuzis FAL, um poderoso reforço de armamento para as ações de guerrilha urbana que vinha desenvolvendo. A ação desencadeada na madrugada de 22 de junho de 1968, foi bem planejada e melhor executada; além disso, por ser a primeira, surpreendeu as autoridades militares e levou o general comandante do II Exército a um desabafo impensado, desafiando os terroristas a saírem da clandestinidade e atacarem seu quartel-general. O desafio foi aceito e a resposta veio dias depois.

Mário Kozel Filho, o Kuka, como o chamavam seus amigos, era um jovem que, com certeza, "amava os Beatles e os Rolling Stones". O rapaz alegre, travesso e namorador que gostava de festinhas e de mecânica de automóveis, como não era americano, não foi mandado para o Vietname, mas convocado para servir ao Exército de seu pais aqui mesmo, em São Paulo, onde morava.

Na madrugada fria e garoenta de 26 de junho - quatro dias após o assalto ao hospital - o soldado Kozel estava de sentinela em um dos portões do Quartel-General do II Exército no Ibirapuera. Faltava pouco para terminar o seu quarto de guarda, quando ouviu um tiro disparado por outro sentinela contra uma camioneta que avançava pela avenida nos fundo do QG. Notou, então, que o motorista, após acelerar e orientar o veículo para o portão do quartel, saltara do carro em movimento. Um outro soldado fizera vários disparos contra a camioneta mas não a detivera e o veículo, desgovernado, batera num poste e projetara-se contra uma parede sem conseguir penetrar no quartel.

O soldado Kozel correu em direção ao veículo para ver se havia mais alguém em seu interior, certamente com a intenção de socorrê-lo. Seus passos foram barrados por violenta explosão que fez o carro voar em pedaços, espalhando destruição num raio de cerca de 300 metros pela força estimada de 50 quilos de dinamite. Era a resposta ao desafio do general e mais um ato terrorista da Vanguarda Popular Revolucionária - VPR - os "bin laden" daquela época - contra um de nossos "pentágonos". O soldado Mário Kozel Filho, com apenas 19 anos, foi atingido pela sanha não de vietcongues, mas de compatriotas seus, a soldo de países estrangeiros, em nome de uma ideologia totalitária, e morreu despedaçado pela explosão que também feriu gravemente vários outros soldados.

A VPR assumiu publicamente a autoria do atentado. Um de seus dirigentes, o ex-sargento do Exército Onofre Pinto, comandou a operação. Preso, foi banido em troca da liberdade de um dos embaixadores seqüestrados pelo terror, mas voltou ao Brasil e desapareceu, sendo sua ossada uma das que foram há pouco procuradas em infrutíferas escavações feitas no oeste paranaense e motivo de amplo noticiário da imprensa e da televisão.

Dos terroristas participantes do planejamento e da execução do atentado, apenas um deles, José Ronaldo Tavares de Lira e Silva, assumiu publicamente sua participação. Os demais, embora seus nomes sejam conhecidos e mencionados em diversas fontes, são aqui omitidos, em respeito à Lei da Anistia.

 

* O autor é General reformado e autor do livro "Nos porões da Ditadura".

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