O dia em que Jango caiu

Sáb, 27 de Agosto de 2011
Seção:
Categoria: 1964

A deterioração do governo de JOÃO GOULART agravou-se exatamente a partir do instante em que, através de um plebiscito nacional, ele havia conseguido recuperar os poderes presidencialistas que um Ato Adicional, aprovado pelo Congresso, lhe havia subtraído com a instalação de um governo parlamentarista no Brasil.

A rigor, o regime parlamentarista era o que mais se adaptava ao estilo de Jango, que sem ter muito apetite para as tarefas de governo poderia atirá-las sobre os ombros do primeiro-ministro, resguardando-se então no seu posto de Presidente da República para só intervir nos momentos de crise que exigissem sua meditação nos impasses do gabinete.

Mas o grupo sindicalista que cercava Jango exigia que ele recuperasse os poderes presidencialistas e essa recuperação foi obtida num plebiscito de âmbito nacional e pôr grande maioria de votos.

Reinvestido nas amplas atribuições presidenciais, o Sr. João Goulart viu sua situação agravar-se de crise em crise pelas sucessivas reformas no ministério e pelo crescente combate que lhe era oferecido pela então bancada da UDN.

A conspiração militar estava solta nos quartéis, sob a coordenação e liderança de oficiais que jamais se conformaram com a ascensão dos líderes trabalhistas. O Sr. João Goulart chegou a fazer, com sucesso, duas viagens ao exterior: uma aos Estados Unidos e ao México e outra ao Chile e ao Uruguai.

Dessas viagens, ele retornava com seu prestígio fortalecido, mas que logo se desgastava nos atritos e fricções da política interna: uma greve de sargentos em Brasília teve de ser debelada a muito custo e esforço.

Essa crise teve o seu início agravado no dia 13 de março, com o comício da Central do Brasil, bem próximo ao Ministério da Guerra: estavam presentes próceres da CGT, do PUA e do PC, na companhia do próprio Presidente da República, que desapropriou as refinarias particulares e as glebas situadas ao longo das rodovias federais. Foi anunciado também na mesma ocasião o tabelamento dos aluguéis.

Nas vésperas, o Sr. João Goulart reunira-se, num sítio próximo de Brasília, com oficiais de seu Gabinete Militar. O General Assis Brasil, Chefe da Casa Militar, abriu diversos mapas sobre a mesa, onde logo depois seria servido o churrasco, e fez uma exposição sobre o dispositivo armado com que contava o Governo. Mostrou os pontos fracos, os pontos duvidosos e as providências tomadas para reajustar todo o esquema de sustentação do Governo. Conta-se que, na exaltação de seu discurso, o General Assis Brasil concluiu com esta frase: "Manda brasa, Presidente!".

O Sr. João Goulart seguiu à risca o conselho do Chefe de sua Casa Militar e cuidou de mandar brasa na Central do Brasil, falando no final do comício, depois que haviam discursado entre outros os Governadores Leonel Brizola, Seixas Dória e Miguel Arraes. A praça em frente à Central estava guardada pôr tanques do Exército.

Seis dias depois, a 19 de março, cerca de 500 mil pessoas realizaram em São Paulo uma passeata conhecida como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Logo em seguida, o Governador Magalhães Pinto lançou um manifesto em nome do povo de Minas, contra o golpe e a favor da ordem no país. Foi apoiado pôr um memorando do General Castello Branco, então Chefe do Estado/Maior do Exército, que recomendou aos militares a manutenção do clima nacional de legalidade.

Ambos os manifestos começaram a receber adesões de todo o país, sobretudo do General Castello Branco, que teve ampla divulgação em todos os quartéis. Correu o boato da prisão do autor do memorando.

Reunido em convenção nacional, no dia 21 de março, o PSD homologou a candidatura do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que no discurso de aceitação de sua escolha se pronunciou a favor das reformas básicas dentro da lei.

O segundo estopim da revolução de março estava por estourar: a crise na Marinha. Os líderes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais, tendo à frente o Cabo Anselmo, resolveram fazer uma demonstração pública de apoio ao governo e decidiram-se a visitar a Petrobrás, a fim de possibilitar que o Almirante Cândido Aragão fizesse um discurso de grande repercussão.

O Almirante Sílvio Mota, Ministro da Marinha, proibiu a visita, mas os marinheiros realizaram uma reunião durante a qual foram pronunciados discursos explosivos contra os "gorilas". Tiveram como resposta a prisão dos diretores da associação, pôr 10 dias.

O Sr. João Goulart, que havia recomendado ao Ministro da Marinha não agir contra os insubordinados, voltou as pressas de São Borja e encontrou a Marinha em pé de guerra. No dia 25 de março, cerca de 2.500 marinheiros reuniram-se no Sindicato dos Metalúrgicos, quando fizeram vários pronunciamentos exaltados.

O Ministro da Marinha mandou uma companhia de fuzileiros para debelar a agitação, porém os fuzileiros confraternizaram-se com os revoltosos. O Almirante Sílvio Mota pediu o reforço de uma companhia do Exército. Mas o Sr. Darcy Ribeiro, de Brasília, ordenou ao General Moraes âncora, já então no Comando do I Exército, que as tropas do Exército se mantivessem afastadas dos acontecimentos, circunscritos à Marinha.

Sentindo-se desautorizado, o Almirante Sílvio Mota, que havia mandado prender o Almirante Cândido Aragão e 40 diretores da Associação de Marinheiros, resolveu demitir-se. Jango o substituiu pelo Almirante Paulo Mário Rodrigues, de tendência esquerdista, que começou pôr anular a prisão do Almirante Cândido Aragão, pondo em liberdade os 40 marinheiros presos numa guarnição do Exército.

Um manifesto foi lançado com a assinatura de 20 almirantes e de centenas de oficiais, condenando toda a insubordinação. Também o Clube Naval se pronunciou no mesmo sentido. Ajustava-se a conspiração militar em todo o país, cruzado de ponta a ponta pelos emissários dos conspiradores.

O Governador Carlos Lacerda havia organizado uma frente de governadores, com a presença dos Srs. Ademar de Barros, Magalhães Pinto e Ildo Menaghetti. Os Generais Justino Alves Bastos, no Recife, e Amaury Kruel, em São Paulo, eram procurados pelos articuladores da conspiração. O II Exército estava solidário com o General Kruel.

O terceiro pavio a ser aceso foi a famosa Assembléia dos Sargentos, que se reuniu no Automóvel Clube do Brasil. Esperava-se o comparecimento de 10 mil sargentos, mas na verdade foi assinalada a presença de apenas 1.200. Na oportunidade, Jango falou pela última vez como Presidente da República. Dirigiu-se aos presentes, falando nas reformas de base e nas alterações da Constituição.

Transmitida pela televisão, a reunião foi assistida pelo General Mourão Filho, que estava reunido em sua casa de Juiz de Fora:

"Chegou a hora. Não podemos esperar mais um só minuto."

A conspiração aproximava-se de sua hora decisiva. Sabia-se que o Deputado-Coronel Costa Cavalcante iria à tribuna da Câmara para fazer um discurso-senha: quando ele falasse, estaria automaticamente dando a ordem para o início do movimento.

O Marechal Odílio Denys revela que estabeleceu um plano de ação para ser executado simultaneamente, já que estavam bem adiantadas as articulações militares em todo os quadrantes do país. Esse plano era constituído de cinco pontos: 1. Começar o movimento logo depois de uma grande movimentação (como a assembléia dos sargentos, pôr exemplo); 2. Partir de um grande estado (como Minas, pôr exemplo); 3. O início do movimento seria dado a conhecer de surpresa pelo rádio comercial, que na informação daria a senha: "O Marechal Denys está lá"; 4. As guarnições e corpos se levantariam e se ligariam com os que estivessem mais próximos, também levantados; 5. As forças dominariam suas áreas e marchariam contra o Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Recife.

Após vários e sucessivas reuniões com o Governador Magalhães Pinto e os Secretários José Maria Alkimim e Monteiro de Castro, o General Mourão Filho, tendo ao seu lado o Marechal Odílio Denys e o General Antônio Carlos Muricy, resolveu pôr as tropas na rua, marchando ao longo do eixo Juiz de Fora - Rio de Janeiro. As forças do General Mourão Filho e Carlos Luís Guedes ocuparam a parte norte da ponte sobre o rio Paraibuna.

Tendo transferido o seu quartel-general para Juiz de Fora e sabedor de que o Coronel Raymundo Ferreira de Souza, comandante do 1. Regimento de Infantaria, havia sido mandado do Rio para combater os revolucionários de Minas, o Marechal Denys pediu uma ligação para ele, em nome do Coronel Baptista, travando-se, então, o seguinte diálogo:

- É o Coronel Baptista?

- Não, Raymundo. Aqui é o Marechal Denys.

- Não sabia que o Sr. estava em Juiz de Fora.

O Marechal respondeu que estava ali, com a tropa e com os mineiros para depor o governo. Deu mais algumas informações e ouviu do Coronel a seguinte declaração: "Marechal Denys, eu e toda a minha tropa nos solidarizamos com o movimento revolucionário. "O Marechal felicitou-o pela sua corajosa e patriótica atitude, dizendo que logo em seguida iria ao seu encontro, para pô-lo em contato com o General Muricy que logo tomou todas as providências para incorporar as unidades do Destacamento Cunha Melo ao seu, permitindo que aquele general se retirasse, isolado, de automóvel, para o Rio, onde levaria a notícia da vitória do movimento revolucionário.

O Destacamento Cunha Melo era composto de unidades do Rio de Janeiro, de grande poder de fogo. Aí então, o General Âncora, comandante do I Exército e maior autoridade militar do Rio, entregou o Comando-em-chefe do Exército ao general mais antigo no Rio, o General-de-Exército Arthur da Costa e Silva. As tropas de Minas acamparam no Maracanã.

Enquanto isso, em São Paulo, o Governador Adhemar de Barros havia colocado 25 mil homens da força pública e toda a guarda civil em estado de prontidão. Barricadas começavam a ser armadas com sacos de areia, arame farpado e madeira. À noite, o governador paulista, em articulação com os Generais Cordeiro de Farias e Nelson de Melo, falou pela televisão, afirmando "ter chegado a hora de pôr paradeiro à bolchevização do país". E determinava a ocupação da baixada santista, de onde provinham rumores intranquilizantes.

O pronunciamento do General Amaury Kruel, que havia tentado pelo telefone fazer com que o Presidente Goulart se afastasse dos elementos comunistas, foi tornado público à 1 hora da manhã da quarta-feira.

Oficiais do II Exército assumiram, então, o controle militar de vários pontos da cidade. Queluz amanheceu o dia 1o. transformada pela presença de soldados do II Exército. as tropas sob o comando do General Kruel chegaram a Resende e o comandante do II Exército entregou a sua chefia aos alunos da Academia militar de Agulhas Negras, cujo comandante, o General Emílio Garrastazu Médice, telefonou para o General Arthur da Costa e Silva: "Chefe, dê as suas ordens que elas serão cumpridas."

O Sr. João Goulart, no Palácio das Laranjeiras, tenta desesperadamente organizar a resistência. Reúne-se sucessivamente com os ministros da Marinha e da Aeronáutica, com os comandantes do I Exército, da Polícia Militar e com o chefe do Gabinete Militar. As informações chegadas de vários pontos do país autorizam a esperança de que o III Exército e o Deputado Leonel Brizola dominem a situação no Rio Grande do Sul. O Governador Ildo Meneghetti fora obrigado a retirar-se para o interior do estado, em face da situação hostil de Porto Alegre.

Há dúvidas também quanto à situação da 5a. Região Militar, comandada pelo General Dario Coelho, e no IV Exército, comandado pelo General Justino Alves Bastos.

O Presidente João Goulart contava também com a fidelidade das tropas de Brasília, sob o comando do General Nicolau Fico.

No Rio, o foco de resistência era o Palácio Guanabara, onde o Governador Carlos Lacerda se entrincheirara na companhia de um grupo de amigos solidários. Tendo resistido várias horas ao cerco do Palácio e tendo inclusive desafiado o Almirante Aragão, o Governador Lacerda via algumas horas depois que o sítio ao Palácio era levantado com a chegada dos tanques comandados pelo então Major Etchegoyen. Quase simultaneamente, o QG da Artilharia de Costa, próximo ao Forte de Copacabana, era tomado a tapas pelo Coronel César Montagna, numa conquista transmitida pela estão TV Rio.

No Recife, o General Justino Alves de Bastos depunha o Governador Miguel Arraes e tropas do IV Exército tiravam do governo o Sr. Seixas Dória, que foi mandado para Fernando de Noronha.

No Rio Grande do Sul, as tropas comandadas pelos Generais Poppe de Figueiredo e Adalberto Pereira dos Santos retomavam o controle de Porto Alegre e reempossavam o Governador Ildo Moneghetti no seu posto.

No Rio, convencido da impossibilidade de continuar resistindo, o Presidente João Goulart abandona o Palácio das Laranjeiras e dirige-se ao aeroporto, onde na companhia de Raul Ryff e Eugênio Caillard toma um avião com destino a Brasília.

O último golpe foi perdido pôr Jango na rua: na Avenida Rio Branco. Quando sobreveio a intervenção dos soldados, o povo não recebeu mal essa intervenção. Sabia que estava no final a última tentativa de ganhar uma guerra perdida. Houve o corre-corre natural, não se divulgou nada sobre isso, mas as balas disparadas a esmo acabaram pôr ferir pessoas que nada tinham a ver com o levante, havendo, inclusive, um morto. O povo, entretanto, terminaria o seu dia em relativa paz. O comando da operação desesperada esteve a cargo da CGT.

Logo depois que o avião de Jango decolara rumo a Brasília, o Governador Carlos Lacerda ocupou uma emissora de televisão para comunicar ao povo a vitória da revolução.

Já uma coluna de Minas, sob o comando do Coronel José Geraldo de Oliveira, dirigia-se para a capital da República, onde o General Nicolau Fico também perdera o controle da situação.

Após breve passagem pela Granja do Torto, o Presidente João Goulart volta ao Aeroporto de Brasília e aí tomo um avião com destino a Porto Alegre, onde o Sr. Leonel Brizola, à semelhança do que fizera três anos antes, com a chamada Batalha da Legalidade, se oferecia para liderar a resistência.

Na manhã do dia 1o. de abril, chegara a Brasília a notícia da adesão da tropa do destacamento que fora do Rio para combater em Minas. Isso deu a certeza da vitória da revolução. Mas havia em Brasília a possibilidade de uma resistência dos candangos, liderados pelo Sr. Darcy Ribeiro, então Chefe da Casa Civil de Jango.

Assim que o avião de Jango decolou de Brasília, o Senador Moura Andrade reuniu o Congresso e comunicou que o Presidente da República se ausentara da capital, com provável destino ao exterior. O Deputado Doutel de Andrade pediu a palavra, mas antes queria fazer uma comunicação. E, aos berros, gritou para o plenário: "Declaro vago o cargo de Presidente da República e na qualidade de Presidente do Congresso dou posse ao sucessor constitucional, o Presidente da Câmara, Deputado Ranieri Mazzili, e levanto a sessão. "No momento do tumulto gerado pelos deputados do PTB, a sessão foi levantada e os parlamentares se dirigiram a pé, cruzando a Praça dos Três Poderes, com destino ao Palácio do Planalto, que foi praticamente invadido pôr uma porta dos fundos.

No 4o. andar, o Deputado Ranieri Mazzili era empossado na Presidência da República, enquanto no 3o. andar o Sr. Darcy Ribeiro ainda articulava alguns esquemas de resistência armada. O General André Fernandes foi investido nas funções de comandante da guarnição do Planalto e logo em seguida assumia a chefia do Gabinete Militar do novo governo.

Chegando a Porto Alegre e verificando a inutilidade da resistência, o Presidente João Goulart preferiu deixar o país e rumar de avião para Montevidéu, deixando um manifesto em que dispensava o sacrifício do povo gaúcho e do povo brasileiro. Terminava o dia em que Jango caiu.

Um milhão de pessoas desfilam, no Rio, na marcha da Família com Deus pela Liberdade."

Jornalista Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Texto enviado por colaboração do Médico Carlos Alberto Cunha do Nascimento