Subsídios complicam a leitura do superávit primário

Sáb, 19 de Novembro de 2011
Seção:
Categoria: Ricardo Bergamini

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Revista Conjuntura Econômica – Vol 65 nº10  Outubro  2011 - Carta do IBRE

 

O governo tem enfatizado a intenção de mudar o mix da política econômica, com menos aperto monetário e mais rigor nas contas públicas. A decisão de elevar em R$ 10 bilhões o superávit primário do governo central em 2011 sugere que a disposição de segurar a política fiscal vai além da retórica.

 

Entre os analistas, porém, percebe-se uma corrente cética. A questão não é tanto se o governo se esforçará para cumprir o plano que traçou para si mesmo. A presidente Dilma Rousseff ainda se beneficia do crédito de confiança que novos governantes costumam ter. Além disso, já deu mostras de vontade política de controlar as contas públicas. A grande dúvida dos analistas deriva não da disposição, mas da capacidade do governo de cumprir as ambiciosas metas de superávit primário à frente, levando-se em conta os obstáculos políticos e institucionais que terá de enfrentar.

 

 

A natureza do desafio fiscal nos próximos anos fica mais clara quando se analisa o desempenho de 2011. Já foi bastante enfatizado que o sucesso em atingir a meta de superávit primário este ano deveu-se em grande parte ao exuberante crescimento da arrecadação. Este, por sua vez, é explicado por uma série de fatores, que vão do recolhimento de impostos de empresas relativos ao exercício de 2010, ano de crescimento espetacular, à obtenção de receitas extraordinárias, como a resolução de um litígio tributário com a Vale do Rio Doce. Fica claro, portanto, que a maior parte dos fatores que engordaram os cofres da União em 2011 não deve se repetir em 2012.

 

Assim, a variável-chave passa a ser a despesa. Uma rápida análise dos gastos este ano indica que a tarefa para o cumprimento das metas fiscais para 2012 não será simples. De janeiro a julho de 2011, o gasto fiscal nominal cresceu 11% ante igual período do ano anterior. Esse desempenho se compara com a expansão de 17,8% em 2010, no mesmo tipo de comparação. Ocorreu, de fato, uma desaceleração, mas muito modesta quando se considera que não houve reajuste, em termos reais, no valor do salário mínimo, que o investimento público caiu em termos nominais e que concursos públicos e reajustes salariais foram suspensos.

Recuo 

Nesse contexto, ao se olhar as diferentes rubricas do gasto do governo central, nota-se, por exemplo, que o investimento público foi claramente sacrificado em 2011. O recuo foi de R$ 612 milhões de janeiro a julho deste ano, comparado com igual período de 2010. Embora seja notória a dificuldade do governo em investir mesmo o que está programado no Orçamento, fica claro que, em 2011, houve um freio voluntário neste item, para viabilizar o cumprimento da meta de superávit primário.

 

Em 2012, o panorama da despesa pública será diferente. Há, em primeiro lugar, o reajuste do salário mínimo real, que terá um impacto de pelo menos R$ 23 bilhões nas despesas primárias do governo central. A renúncia fiscal da nova política industrial, o Programa Brasil Maior, poderá causar uma perda de receita também estimada em R$ 23 bilhões.

 

Dessa forma, com a receita sem perspectivas de repetir o salto de 2011, e as despesas fadadas a crescerem, o panorama para o cumprimento da meta de superávit primário em 2012 parece, em princípio, muito difícil. Aparentemente, o governo teria de sacrificar ainda mais os investimentos públicos, o que é uma temeridade diante do desafio do crescimento econômico e dos grandes eventos esportivos que o Brasil vai sediar, ou então não cumprir os compromissos assumidos em programas como o Brasil Maior e o Minha Casa, Minha Vida.

 

Uma análise mais cuidadosa, porém, indica que o governo tem alguma chance de entregar o primário de 3,1% do PIB, mas que isso não terá, necessariamente, o impacto contracionista na demanda que se verificou nos anos anteriores. A explicação decorre de um aspecto das contas públicas brasileiras: o crescente uso de subsídios em diversas políticas públicas.

Subsídios

Dois grandes programas baseados em subsídios públicos foram criados desde 2009. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES foi lançado para garantir as aquisições de máquinas e equipamentos pelas empresas ameaçadas pela crise global. Já o Minha Casa, Minha Vida, em duas etapas, a partir de março de 2009, prevê a construção de três milhões de residências, sendo 800 mil para famílias com renda de zero a três salários mínimos. O subsídio total do Minha Casa, Minha Vida foi planejado em R$ 86,8 bilhões. Deste total, R$ 72,6 bilhões correspondem à segunda fase do programa, que foi anunciada para acontecer entre 2011 e 2014.

 

Do ponto de vista de contabilização, os subsídios do PSI integram a conta “subsídios e subvenções econômicas” dos gastos primários. Os subsídios do Minha Casa, Minha Vida, por sua vez, fazem parte das despesas de custeio. Embora o princípio de explicitar no Orçamento os subsídios, presentes tanto no PSI quanto no Minha Casa, Minha Vida, seja louvável do ponto de vista da transparência, a implementação prática desse avanço institucional ainda precisa de aprimoramento. No caso do PSI, em que o Tesouro tem de reembolsar o BNDES, a contabilização de subsídios no resultado primário foi de zero em 2009 e 2010. Em 2011, dos R$ 3,7 bilhões orçados, apenas R$ 429 milhões foram pagos pelo Tesouro até agosto. No Minha Casa, Minha Vida, foram orçados subsídios de R$ 4,6 bilhões em 2010, mas somente R$ 805 milhões foram pagos. Em 2011, de um total de R$ 9,4 bilhões orçados, só R$ 4 bilhões foram pagos até agosto. 

 

Em termos de contabilidade, como se vê, o governo fica à vontade para programar a transferência de subsídios do Tesouro para instituições financeiras públicas no Orçamento a cada ano, mas pagando efetivamente o que for mais conveniente. Se, como no caso do Minha Casa, Minha Vida, em 2010, apenas 17,5% (R$ 805 milhões do total de R$ 4,6 bilhões) da programação orçamentária de subsídios foi efetivamente paga, pode-se transferir o saldo para o ano seguinte, nos restos a pagar.

 

Assim, com uma alta conta de subsídios, o governo pode regular o fluxo de pagamentos para se ajustar, por exemplo, ao cumprimento da meta de superávit primário. Se houver sobras de superávit, podem-se pagar mais velozmente os subsídios, até antecipando o que não está na programação orçamentária. Se, por outro lado, o cumprimento da meta tornar-se muito difícil, há a possibilidade de transferir o pagamento de subsídios para o ano seguinte.

 

Em 2012, portanto, com a grande conta de subsídios do PSI e do Minha Casa, Minha Vida, o governo tem um instrumento – legítimo, aliás – para ganhar alguns décimos de porcentagem do PIB necessários para atingir a meta de superávit de 3,1%. Nessa perspectiva, talvez as metas de superávit para os próximos anos possam de fato ser atingidas, mas a importância atribuída ao seu cumprimento deve ser reavaliada.

 

Ricardo Bergamini
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