A teoria do desaquecimento (26/03/76)

Dom, 16 de Outubro de 2011
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Categoria: Eugênio Gudin

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*Eugênio Gudin Filho

  

Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos e alguns outros economistas ilustres costumam ser férteis na criação de neologismos. Dessa vez é o próprio ministro que, em recente entrevista, cria mais um: “Deve-se dar agora um aperto. Vamos ter um desaquecimento da economia que não chegará a ser uma recessão. Mas, que vai haver um desaquecimento não há dúvida”.

 

Não é a primeira vez que Simonsen se refere a essa circunstância conjuntural, mesmo sem recurso ao neologismo. Já em agosto passado dizia o ministro: “O aperto da liquidez forçado pelo balanço de pagamentos e pela inflação associada à crise do petróleo provocou a recessão e a estagnação em vários países do mundo ocidental, forçando uma queda do produto real de 3,8% no Japão, de 1,9% nos EUA e de 0,6% na Grã-Bretanha, com a geração de uma forte onda de protecionismo pelo mundo afora”.

 

O problema, para usar um quase neologismo, dessa vez de minha autoria, é o do ”objetivo conflitante”, que importa dizer que não se pode conseguir tudo em todos os setores ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a experiência tem mostrado que, quando se tenta baixar a taxa de desemprego e menos de 5%, isso se traduz em um “aquecimento” excessivo da economia, que provoca manifestação inflacionária. O Prof. Milton Friedman refere-se à posição de equilíbrio como a “taxa natural de desemprego”.

 


Foi, portanto, feliz a observação do ministro na mesma entrevista dizendo que “necessitaria de alguém que me ensinasse a fórmula de combater a inflação com a economia superaquecida e fórmula de reduzir as importações nesse mesmo caso”.

 

Referindo-me ao mesmo problema tenho recorrido ao exemplo da locomotiva a vapor, à qual de pede o máximo de esforço de tração e à qual ao mesmo tempo se proíbe elevar a pressão da caldeira.

 

Já em outubro de 1971 escrevia eu: “Pede-se ao ministro Delfim Neto que mantenha sua brilhante política de incremento do produto nacional à razão de 9% ao ano, que prossiga na manutenção do pleno emprego e do estímulo às exportações, e que, ao mesmo tempo, acabe com a inflação de cerca de 20% ao ano. Essa taxa de inflação não mais decorre agora dos déficits orçamentários da União, e sim da pressão exercida sobre o sistema econômico, para que atinja o máximo de atividade”.

 

Em termos mais sofisticados, tem sido objeto de debate uma curva de Phillips que estabelece conexão entre a inflação e o desemprego. Mas tanto Milton Friedman como Mário Henrique Simonsen e como o Prof. Phelps opõem criticas – e críticas certas – ao texto de Phillips. Não há dúvida, porém de que há que escolher entre preços estáveis acompanhados de um nível de desemprego mais acentuado ou – alternativamente – um nível mais baixo de desemprego acompanhado de inflação mais ou menos intensa.

 

Na mesma entrevista, respondendo a uma pergunta sobre a criação de uma taxa cambial diferenciada, uma para as transações comerciais, outra para as financeiras, disse Simonsen: “Por que iria eu fazer um reajuste grande na taxa de câmbio agora? Me diga o que não se está exportando, ou se podia exportar por causa do preço? O caso das sobretaxas nos Estados Unidos não é tão trágico assim”.

 

A política cambial aí esboçada coincide exatamente com a que vem agora adotando o governo francês, abandonando a orientação do tempo de Pompidou, de sucessivas desvalorizações do franco. Ele quer que os industriais franceses passem e concorrer nos mercados de exportação “com armas iguais” e não com “vantagens artificiais”.

 

O que o entrevistador poderia, com maior propriedade, ter perguntando ao ministro é se ele não considera a nossa taxa cambial por demais afastada do nível da paridade de seu poder de compra em relação a outras moedas. Nesse caso, penso que a melhor resposta seria a de Viner (Studies in International Trade): “Na há dúvida de que o poder de compra comparado de duas moedas inconversíveis, em termos de todas as coisas que são compráveis nos respectivos países, é, nos casos gerais, o fator singular mais importante na determinação da taxa de câmbio e deve geralmente impedir que as divergências entre a taxa real e a que resultaria da paridade dos poderes de compra atinjam 50% ou 300-%”.

 

Porque, se os desvios forem excessivos, o comércio exterior não mais poderá funcionar. Se os preços internos se elevam apreciavelmente, por força de inflação, e se mantém a taxa de câmbio desadaptada, chega o momento em que as exportações, não mais se podem realizar (em virtude de preços insuficientes em moeda nacional) ou as indústrias nacionais não mais podem viver (em concorrência com o estrangeiro).

 

*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

 

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

 

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

 

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

 

 

Ricardo Bergamini
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Última atualização em Qua, 15 de Fevereiro de 2012 19:44