Dossiê Geisel: Censura e Imprensa
- Sáb, 27 de Agosto de 2011
- Seção:
- Categoria: 1964
*Sandro Guidalli
A geração que nasceu nos anos 60 e que hoje se aproxima dos 35, 40 anos, aprendeu desde cedo, na leitura cotidiana dos jornais, que o governo instaurado em 1964 foi um dos períodos mais difíceis para as manifestações culturais e sociais do país. São os famosos "anos de chumbo", em que civis eram perseguidos pelo que pensavam, outros torturados, muitos impedidos de divulgar seu trabalho e, consequentemente, de obter o ganha-pão.
Trata-se de um consenso inclusive entre as gerações mais novas, nas universidades e redações que nossos pais, tios ou amigos um pouco mais velhos, viveram um ambiente de terror, atmosfera aliás, fartamente retratada em filmes, peças de teatro, livros e reportagens de jornais. Quem já não ouviu falar da "terrível" censura da época imposta aos brasileiros?
Uma investigação mais rigorosa e uma observação mais crítica dos acontecimentos, porém, descortinam uma outra realidade, diferente da que nos habituamos a ouvir e ver. Parece que os fatos de 30 anos atrás, como já mencionei em outro artigo, foram paulatinamente envolvidos por uma película oleosa que nos impede de chegar até eles através da imprensa. Criada por aqueles que detêm o poder sobre a maneira com que a verdade é retratada nos meios de comunicação, esta gaze precisa ser furada por jornalistas e leitores mais independentes sob pena de vivermos numa história composta ora por falsidades ora por meias-verdades.
Algumas fontes isentas que acabam fazendo o trabalho que deveria ser feito por nós, jornalistas, nos ajudam nessa tarefa de alfinete que estoura esse invólucro sobre a história recente do país.
Entre elas está o grupo de pesquisadores do Cpdoc da Fundação Getúlio Vargas. Em recente livro ("Dossiê Geisel", organizado por Celso Castro e por Maria Celina D´Araujo) editado pela FGV Editora sobre os arquivos pessoais do ex-presidente Ernesto Geisel (1974 1979), podemos verificar a distância entre os acontecimentos e a versão apresentada deles pelo jornalismo nos últimos anos.
Logo nos dois primeiros capítulos, relacionados aos arquivos do Ministério da Justiça e do SNI, é possível aferir que, sob o governo Geisel: 1) Houve censura prévia apenas sobre uma pequena parte da imprensa 2) Donos de jornais e jornalistas já consagrados na época tinham liberdade para escrever e publicar suas críticas ao governo. 3) Membros da cúpula militar foram humilhados ao não conseguir calar estes críticos. 4) O volume de livros, filmes e peças de teatro efetivamente censurados é ridículo perto do tamanho do material recolhido para análise dos censores. 5) Houve muito mais uma tentativa de censura do que a censura propriamente dita.
Vamos então a alguns fatos e registros, relatados pelos documentos pesquisados pela turma da FGV e que sustentam o que relaciono acima:
Em 1976, depois da morte do operário Manoel Fiel Filho no DOI em São Paulo, o jornalista Alberto Dines decide escrever um duro artigo para o Estadão em que condenava a tortura e a prisão nas dependências do governo ao mesmo tempo em que elogiava a atitude de Geisel de exonerar o general Ednardo Melo, responsável pelo comando do II Exército a que estava subordinado o DOI. Em dado momento do texto, Dines chegava a comparar o governo brasileiro ao da União Soviética, num exagero absurdo, obviamente, mas que servia bem a sua linha de análise no momento.
Acontece que o ministro do Exército, Sílvio Frota, ciente da iminente publicação do texto, decide pedir ao ministro da Justiça, Armando Falcão, que tome providência a fim de abortá-lo e impedir sua reprodução num dos maiores jornais do país. "É, como você vê, um ultraje", diz Frota a Falcão.
No dia seguinte ao pedido, entretanto, em 22 de janeiro de 1976, o artigo é publicado o que faz Frota voltar à carga, desta vez pedindo o enquadramento de Dines e do Estadão na lei de Segurança Nacional. Mais uma vez não é atendido. Notem que estamos falando do então ministro do Exército do governo Geisel em pleno período militar. Ademais, se vivesse em Cuba ou na China de Mao, Alberto Dines já estaria produzindo seu Observatório do além há muito tempo.
Outro fato que chama a atenção para a liberdade de expressão da época é um telegrama despachado por Ruy Mesquita para o ministro da Justiça, indignado por mais uma tentativa de censura da Polícia Federal ao seu jornal. Num dado momento do telegrama, um dos donos do Estadão refere-se ao país como uma "republiqueta de banana" e diz estar "cheio de vergonha por ver meu país degradado a esta condição". Ruy vai além e diz a Falcão que "o Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período". Se vivesse na União Soviética ou em Cuba, Mesquita seria provavelmente morto depois deste telegrama.
A censura também foi relativa se analisarmos o volume de obras efetivamente impedidas de vir à luz. Segundo relata o livro dos pesquisadores do Cpdoc, dos 9 mil livros publicados em 76, 219 foram denunciados e 74 censurados, a maioria, aliás, estrangeiros. Dos 4.740 filmes examinados, seis, isso mesmo SEIS, foram proibidos. Das 989 peças produzidas naquele ano, 29 foram censuradas.
Os jornalistas e intelectuais que teimam em dizer o contrário do que foi registrado dentro do governo estão desde já convidados a explicar aos leitores que regime de censura é esse que chama os donos de jornais para discutir uma política de liberdade responsável nos jornais e TVs, que ignora os apelos de um ministro para censurar um artigo que expõe sua principal ferida e que finalmente defende uma maior "convivência" entre governo e imprensa?
Afinal de contas, é livre ou não uma imprensa que abusa da notícia em off, divulga assuntos sigilosos e assiste a uma disputa entre articulistas para ver quem produz mais notícias com informantes de altos escalões? Pois é este o perfil da imprensa sob Geisel, lamentado é claro por um observador do SNI ao fazer um retrospecto de 1977 para o seu chefe, o presidente da República.
Há mais o que comentar mas devido ao espaço, quem quiser obter outras informações recomendo obviamente comprar o livro. Quem for lê-lo, é bom notar que nos documentos confidenciais do SNI no anexo 8 ficam claros os sinais de constrangimento das autoridades militares diante da liberdade de ação dos jornalistas de esquerda. O fato é que poucas publicações estavam na ocasião sob censura prévia, entre elas, por motivos óbvios, estão os jornais Movimento, De Fato e o Coorjornal. Ficam fora desta pequena lista, portanto, os grandes, Folha, Estadão, Veja, JB, etc..
O que a leitura destes documentos nos permite ver, portanto, é que, no governo Geisel, a censura ou foi menor do que o divulgado anos mais tarde pela imprensa ou sequer chegou a efetivar-se de forma ampla e irrestrita. Para mim, desde já estão seriamente desacreditados todos os jornalistas que tentam vincular o governo militar a um horripilante e cruel cerceamento das liberdades civis.
Estudantes de jornalismo, uni-vos 1
Recebi recentemente a informação de que os organizadores do Fórum Social Mundial estão recrutando colaboradores para o portal Porto Alegre 2003, um projeto de divulgação que prevê o funcionamento de seis sites. O engraçado é que no "convite à aventura do jornalismo livre", constam lá o nome de alguns colaboradores já devidamente recrutados sem esforço. Entre eles está Fidel Castro, um homem que seguramente tem muito a dizer sobre jornalismo livre e independente. E esse pessoal do FSM ainda quer ser levado à sério...
Estudantes de jornalismo, uni-vos 2
O trágico de tudo isso é que tem dinheiro público financiando essa patuscada. Segundo o boletim do portal, a prefeitura de Belém (adivinhem de qual partido é o prefeito) vai entrar com um "honro$o patrocínio" ao lado da Fundação Rosa Luxemburgo. Será que os contribuintes estão sabendo disso?
Leitura Recomendada
Fred Reed é colunista do Washington Times. Seu artigo, "Marx Disfarçado", traduzido em O Indivíduo www.oindividuo.com é um dos melhores textos que já li nos últimos meses.
* O autor é Jornalista. Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Leia abaixo o texto citado no artigo
Marx Disfarçado
Refletindo Sobre O Apodrecimento. Mais Divertido Que Observar Pássaros.
Por Fred Reed
Tradução de Sergio de Biasi
(Nota do Tradutor : Em certas passagens, tenha em mente o leitor que o artigo foi escrito tendo como contexto os Estados Unidos; infelizmente, a identificação de nossos similares nacionais não é muito difícil de fazer.)
Seguindo o princípio de que a lepra é mais divertida se você compreender por que seus dedos estão caindo, permitam-me alguns pensamentos sobre Karl Marx, suas tolas teorias e nosso envolvimento em uma versão Disney delas.
O Marxismo é um amontoado estúpido, quase comicamente errado de besteiras sem sentido criado por um homem que tinha pouca compreensão da humanidade, de política ou de economia. Trata-se de um indivíduo cujas teorias invariavelmente levam ao empobrecimento. Como indício de grandeza, isso soaria bastante ineficaz. Ele é um personagem importante pelo mesmo motivo que o mosquito da dengue - pelo dano causado mais do que pelo exercício da inteligência.
(Tenham um pouco de paciência. Esta não é um linchamento pré-cozido de tudo o que for de esquerda. Há um sentido vindo mais adiante.)
Ademais, os erros de Marx não foram em detalhes. Foram fundamentais. Por exemplo, ele esperava que os trabalhadores se unissem. Ao invés disso, a primeira guerra mundial mostrou que, com regularidade monótona (e talvez sabedoria duvidosa), suas lealdades ficaram com seus países. Ele pensou que a revolução comunista viria nas nações industrializadas com proletários adequados. Ao invés disso, ela veio primeiro em países agrícolas atrasados, e nunca veio de fato onde ele esperava. Ele pensava que os economias européias nunca dariam origem às democracias liberais que hoje parecem ser o que todo mundo quer. Elas deram.
Em resumo, ele era um lunático. Ele foi, entretanto, ou um lunático que avaliou corretamente a manipulabilidade dos congenitamente raivosos ou simplesmente sortudo. Ninguém, em tempo algum, foi responsável por tanta morte e brutalidade quanto Karl Marx. Não era o que ele tinha em mente, pelo menos não conscientemente, de qualquer modo. Mas foi o que ele causou.
É o que os comunistas sempre causam. Com previsibilidade perfeita, os estados marxistas são estados policiais. O principal traço do paraíso dos trabalhadores é o de que todos os trabalhadores querem fugir e precisam ser mantidos lá com metralhadoras e minas terrestres. Em países divididos como a Coréia, temos algo que se aproxima de um experimento de laboratório. A Coréia do Sul é uma potência industrial de alta tecnologia. Na Coréia do Norte, eles comem grama e, ocasionalmente, uns aos outros. Se a Coréia é um exemplo geográfico, a China é um temporal: assim que começou a abandonar o marxismo, começou a progredir.
O marxismo é comprovadamente um desastre. E os marxistas sabem disso. História elementar não é um segredo.
Tudo isso seria apenas de interesse acadêmico se o mesmo espírito, sob outros nomes, não estivesse tão intensamente ativo na América hoje. Nós o vemos em uma variedade de disfarces. Quando a Rússia praticava a censura, nós chamávamos isso de "censura". Aqui, chamamos de "politicamente correto". Continuamos tendo que olhar sobre nossos ombros antes de dizer as coisas não aceitas. A diferença é... qual? Na Rússia, os marxistas pregavam a luta de classes. Aqui eles pregam multiculturalismo. A diferença é... qual? Os Russos, impedidos de falar abertamente, circulavam os samizdat. Aqui temos a internet. A diferença, além da eficiência, é... qual?
Nossos marxianos domésticos são jornalistas, acadêmicos, profissionais raciais, multiculturalistas, feministas radicais e educadores. A maior parte deles não dispõe de inteligência ou formação para saber o que estão ajudando a fazer. (Acho que a expressão é "inocentes úteis".) Os líderes, por exemplo, nas universidades, de fato sabem. Eles são menos letais que Lênin e Trotsky, mas sua meta é a mesma.
A chave para compreendê-los está no reconhecimento de que o marxismo não é um sistema, mas um sentimento : uma hostilidade sombria, implacável e vingativa contra a sociedade ao redor. Seus devotos são devotos do ódio. Isso distingue claramente o marxismo do socialismo democrático europeu normal. Pode-se debater se, digamos, a Suécia é socialista demais ou se não é socialista o suficiente. Contudo, o sistema sueco não é intrinsecamente perverso. O marxismo é!
Em seu coração estão (1) um desejo do controle total sobre tudo, incluindo o pensamento, (2) uma disposição a impor a obediência através de absolutamente quaisquer meios, (3) uma despreocupação com a realidade econômica e portanto com o bem-estar material e (4) um desprezo pela humanidade ("as massas"). Trata-se simplesmente de ressentimento politizado, voltado não para ajudar os desfavorecidos mas para atingir os bem-sucedidos.
Agora, pessoas que visceralmente percebem o que está acontecendo freqüentemente querem debater com nossos marxistas. É um erro. A economia não é um assunto matematicamente verificável. Sendo a política também imprecisa, é fácil argumentar a favor ou contra qualquer posição até que o debate se dissolva em um lamaçal. Pode-se facilmente construir uma defesa do comunismo, assim como do nazismo, da democracia, do catolicismo, do ateísmo, ou da pedofilia.
Ao invés disso, você tem de se lembrar de quem eles são, de o que eles são. Eles são pessoas que querem destruir a civilização ao seu redor.
Isso explica alguns fatos que poderiam de outra forma parecer contraditórios. Por exemplo, as feministas radicais, muito marxistas em espírito, denunciam discriminações imaginárias contra as mulheres na América, mas dizem muito pouco sobre as mutilações compulsórias do clitóris em países africanos e islâmicos. Isso não faz nenhum sentido se você acredita que elas querem beneficiar as mulheres. Faz total sentido se seu objetivo é criar divisões com vistas a destruir a América.
Ou repare como a extrema esquerda fala incessantemente sobre os maus-tratos a que estão sujeitos os negros na América, mas quase universalmente não exige tais providências, como uma melhor educação, que poderiam ajudar os negros. Por que? Porque (1) eles não se importam realmente com os negros, exceto como ferramentas políticas e (2) se os negros prosperassem, eles se juntariam à classe média e deixariam de ser convenientemente divisivos.
Similarmente, para crianças latinas nossos marxianos advogam educação bilíngüe, a qual tem um registro comprovado de prejudicar o aprendizado do inglês. Por que? Latinos que falassem inglês fluente acabariam por se casar com pessoas chamadas Ferguson e se tornariam americanos. Fim da linha para a luta de classes.
Portanto, é por isso que os marxistas, em todos os lugares, invariavelmente, denunciam a opressão, mas invariavelmente a praticam. Não há qualquer contradição. Eles não fazem qualquer objeção à opressão. Ela é central para seus propósitos. (Cite um país marxista que não seja opressor.) Denunciá-la é somente politicamente útil.
A última coisa que eles querem é que países atrasados floresçam e se tornem democracias liberais.
Taticamente, eles estão em terreno sólido na América. Os Estados Unidos sempre tendo sido bem-sucedidos em assimilar grupos, os marxistas precisaram reverter o processo de forma a ter luta de classes. Eles não puderam utilizar o usual proletariado pois este havia se movido para a classe média. Conseqüentemente, precisaram promover ou inventar novas divisões. Eles o fizeram. Funcionou.
Brancos contra pretos foi uma linha de falha obviamente útil que a extrema esquerda não inventou mas que cultivou cuidadosamente. Abrir a fronteira do sul significou importar uma classe divisiva. Colocar mulheres contra homens também foi notavelmente bem sucedido. Empurrar os homossexuais para a hostilidade forneceu ainda mais um ressentimento utilizável. O terrorismo emocional praticado contra garotos de escola ("polícia-e-ladrão-é-violento"), leis contra certas formas de discurso consideradas "ofensivas", a punição da não-conformidade (através por exemplo da perda do emprego) são todas versões mais brandas das práticas soviéticas. Até agora.
Nós, eu penso, não faremos nada sobre isso. Lepra e docilidade são uma combinação infeliz. Mas interessante.
Fred Reed é colunista do Washington Times.
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