Questões sociais

A questão social, diz o vocabulário de Lalande: "é o problema que consiste em resolver as dificuldades econômicas e morais que agitam a existência das classes sociais e da miséria". Mas na realidade, é um problema de organização econômica da sociedade, da população, da distribuição e da propriedade.

 

Para os liberais, a maioria das dificuldades econômicas e sociais é proveniente da intervenção intempestiva do Estado pretendendo regular preços, salários, trocas comerciais. Valeria muito mais deixar funcionar os mecanismos econômicos naturais. "Deixai fazer, deixai passar! A economia tende a se organizar por si mesma, para o bem de todos. O otimismo liberal acredita naturalmente em” harmonias econômicas “espontâneas”.

 

Adam Smith, em Riqueza das Nações (1774) examina as flutuações dos preços. O preço natural de um objeto é o seu preço de custo mais uma justa margem beneficiária. O preço do mercado de um objeto depende da lei da oferta e da procura. Se um produto é raro, a procura ultrapassa a oferta e o preço do mercado se eleva acima do preço "natural". Se o produto é muito abundante, acontece o contrário: o preço do mercado cai abaixo do preço "natural". Acontece apenas que os preços mais elevados estimulam a oferta; os produtos caros, fabricados em maior número, baixarão na próxima oportunidade. Os preços muito baixos desencorajam a oferta, a produção diminui e os preços aumentam novamente, quando a oferta se fez mais rara. Assim o preço do mercado tende sempre a se aproximar do preço natural. A lei da oferta e da procura serve de regulador e a "quantidade de cada mercadoria posta no mercado é, por si mesma, naturalmente proporcional à oferta efetiva”.

 

Os salários dos operários estão submetidos a um regime natural análogo; se eles são muito baixos em determinada profissão, não se encontram mais candidatos para a mesma e é muito necessário que os salários se elevem; se eles aumentam anormalmente, um grande número de operários se propõe a ser engajado e essa concorrência faz baixar o salário. O único papel do Estado, na teoria do liberalismo econômico, é proteger a propriedade para todos os membros da coletividade.

 

Não é por motivos morais, entretanto, que Marx condena o capitalismo liberal. Em sua grande obra (O Capital), Marx pretende colocar-se num ponto de vista puramente científico. Numa perspectiva dialética (inspirada na idéia hegeliana de que as contradições são o motor da história), essa análise quer mostrar que o capitalismo se autodestrói, a partir de suas contradições interna.

O interesse aparente do empregador é vender sua mercadoria o mais caro possível, pagando o menos possível de salários a fim de aumentar o lucro (mais-valia). Mas os operários, mal pagos, serão incapazes de comprar os objetos que eles mesmos fabricam. O produto produzido de suas mãos, expostos na vitrina do comerciante, lhes fica proibido - é um aspecto da "alienação" -, inacessível. Desse modo, muitos objetos não serão vendidos. As encomendas do comerciante ao industrial diminuirão. O industrial dispensará uma parte de seus operários. Não há dúvidas de que os desempregados comprarão ainda menos que os assalariados. É a crise.

 

Para se entender o processo da concentração é preciso partir da distinção marxista entre capital constante e variável. O capital constante representa o valor das máquinas e das matérias - primas. O capital variável é o dinheiro que serve para pagar os salários, portanto, para fazer o operário trabalhar, para produzir mercadorias, portanto, para reproduzir dinheiro. Mas o progresso da mecanização industrial restringe o número de empresas com capacidade financeira sufocando o pequeno patrão e o grande capital, pouco a pouco, absorve outras indústrias. Tal é a concentração que não haverá mais que um pequeno número de grandes corporações explorando o mundo.

 

Keynes publica em 1936 sua "Teoria geral do emprego, do lucro e da moeda". Ele toma consciência do fracasso da teoria liberal, observando o fato do desemprego, que é o grande desastre da economia britânica em sua época. Ademais, os problemas econômicos são, para ele, inseparáveis do problema monetário. Os homens somente trocam produtos por intermédio da moeda. Ora, toda moeda não é imediatamente posta em circulação. Preocupados com o futuro, os homens economizam dinheiro e, por vezes, acumulam o dinheiro por amor a este. Isso introduz um fator complexo e fundamental que é preciso ter em conta para compreender as relações econômicas. A partir daí, Keynes justifica a intervenção do Estado em matéria econômica. O primeiro dever do Estado é lutar contra o desemprego e, se possível, assegurar o pleno emprego de todos os trabalhadores. Ele pode fazê-lo agindo sobre a taxa de lucro, e de juros, de tal maneira que a relação entre o consumo e a poupança seja dirigida para o bem dos interesses da coletividade.

 

A teoria de Duboin afirma que o progresso tecnológico aumenta grandemente a produção, faz crescer também o que denominamos a produtividade, isto é, a rapidez de produção. Onde triunfa a substituição dos homens pela máquina. No sistema capitalista, isto só pode acarretar o desemprego.

 

Por outro lado o sistema capitalista, fundamentado no lucro, se encontra bloqueado, desde que o aumento da produção assegura a abundância. Com efeito, o valor mercantil de um produto depende de sua raridade. Ele é tanto mais caro, quanto mais raro. Mas a utilidade humana de uma coisa não é função de seu valor econômico (por exemplo: o ar é absolutamente indispensável à vida, e nada custa, pois é abundante). Ora o progresso técnico é de tal ordem que dia virá em que os produtos agrícolas e industriais serão tão abundantes que, conservando a mesma utilidade para os homens não terão mais valor econômico, não serão mais vendáveis. E como o sistema econômico atual é baseado na venda e no lucro, só poderá lutar contra a abundância, menosprezando reais interesses da humanidade.

 

Após mais de trezentos anos de estudos das atividades econômicas da humanidade, vista sob diversos ângulos ideológicos, refletidos por diversos pensadores, nos encontramos vivenciando as mesmas contradições de nossos antepassados, ou seja, não temos respostas para explicar a contradição do crescimento constante e geométrico da produtividade e da tecnologia, com capacidade, cada vez maiores, de produzir mais com menores custos e menos pessoas e, ao mesmo tempo, crescem, também, em progressão explosiva a miséria e a fome no planeta. E ficamos, eternamente, sem respostas para as Questões Sociais, principalmente, em países como o Brasil com uma concentração de renda desumana em que apenas dez por cento da população detêm cinqüenta por cento da riqueza nacional.

 

O que teria faltado em nossas análises econômicas de mais de trezentos anos que explicariam nosso total fracasso como seres humanos? Talvez porque jamais introduzimos em nossas análises uma simples pergunta: qual o verdadeiro sentido e objetivo da vida?

 

O autor é professor de economia

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