A Reforma na Suíça
- Sex, 26 de Agosto de 2011
- Seção:
- Categoria: História da Civilização
Ricardo Bergamini
Na Suíça o paladino da Reforma foi Ulrich Zwinglio (1484-1531). O vigor da rebelião luterana tinha calado profundamente na Suíça, cujo nacionalismo vinha se intensificando há séculos. Os suíços, em 1499, haviam sacudido o jugo dos austríacos (não só da casa de Habsburg, como também do Sacro Império Romano Germânico). Tendo-se desvencilhado de um imperador estrangeiro, não haveriam de querer ficar submetidos a um Papa, também estrangeiro. Em 1519 – influenciado por Lutero (e ameaçado de morte pela peste) – Zwinglio sofreu uma repentina conversão e começou a pregar a nova doutrina, tornando-a, porém, mais rigorosa, de tal forma que o próprio Lutero a desaprovou. Zwinglio conseguiu implantar o credo em quase todos os cantões do norte. Todavia, quando quis estendê-la mais ainda, deparou forte resistência: irrompeu, então, uma guerra civil religiosa, que durou dois anos (1529-1531). Zwinglio morreu e seus adeptos foram derrotados. Mas a Reforma não se deteve, continuou progredindo e chegou a Genebra.
Na França, o luteranismo começava a propagar-se. João Calvino (1509-1564), natural de Noyon, que então se preparava para a carreira eclesiástica, aderiu ao movimento reformista. Com método e rigor, foi elaborando sua própria doutrina. Em 1533, quando Francisco I começou a perseguir os reformados, Calvino fugiu para Basiléia, na Suíça. Lá redigiu uma síntese de sua doutrina, “Instituição da Religião Cristã”, publicada pela primeira vez em 1536.
Genebra tornou-se uma espécie de república teocrática, organizada em moldes democráticos. O órgão máximo, o Consistório, intervinha em todas as questões religiosas e políticas. A atribuição principal do Consistório era a fiscalização da conduta dos genebrinos, o que era levado a afeito com extremo rigor. Havia uma intromissão constante na vida de cada pessoa – todas as casas eram visitadas regularmente. Calvino não permitia o menor deslize, isto é, a menor infração à sua doutrina. E os castigos eram duríssimos, indo desde beijar publicamente a terra, até ser queimado vivo (como aconteceu com Miguel Servet, em 1553). Calvino julgava-se delegado divino na terra: “Recebo de Deus o que ensino, e Deus me outorgou a graça de declarar o que é bom e o que é mau”.
O calvinismo é mais radical do que o luteranismo. Como Lutero, Calvino somente reconhece a autoridade da Bíblia. Igualmente, a salvação é obtida somente pela fé, não pelas obras. Mas acrescenta que a fé é um dom concedido por Deus e predeterminado para toda a eternidade, de modo que os homens já nascem marcados para a salvação (os eleitos) ou para a condenação (os réprobos). Esta é a doutrina da “predestinação absoluta”, peculiar do calvinismo.
O calvinismo aproxima-se, ainda mais que o luteranismo, do “Antigo Testamento”: confronta-se com a atitude liberal de Lutero em relação ao domingo, com a atitude severa de Calvino, restaurando o antigo sábado judaico, com todas as suas proibições. O calvinismo afasta-se, mais rigorosamente, de tudo o que possa lembrar o “papismo”: foram drasticamente eliminados – o ritual, a música instrumental, os vitrais, as imagens. Até a celebração do Natal e da Páscoa foi severamente proibida. A religião ficou reduzida a “quatro muros nus e um sermão”.
Outras proibições de Calvino: baile; jogo; teatro; enfeites (sobretudo jóias); festas familiares com mais de 20 pessoas; consumo de guloseimas; consumo de vinho (a não ser o vinho tinto do país); uso de nomes que não figurem na Bíblia; escrever ao estrangeiro; falar de política; etc.
O calvinismo pregava a atividade missionária como poucas religiões o fizeram. Calvino fundou a “Academia” (1559), que preparou centenas de valorosos predicadores da sua fé. Por isso Genebra chegou a ser chamada de “Roma do Protestantismo”. Esta religião predominava entre a burguesia. Influiu notavelmente na formação da moral moderna – e no ardor revolucionário das classes médias. Foram calvinistas os primeiros que se revoltaram contra o despotismo na França e na Inglaterra; e os que derrubaram a tirania espanhola na Holanda.
O autor é Professor de Economia