O historicismo e a dinâmica apocalíptica: Karl Popper e M.H. Simonsen (07/12/73)

*Eugênio Gudin Filho

 

 

Ao tempo (no princípio do século) em que eu alisava os bancos da Escola Politécnica, havia dias tendências distintas pelas quais os estudantes de matemática e engenharia, de um lado, e os estudantes de direito, de outro, abordavam os problemas de ciências sociais. Os politécnicos só davam valor aos problemas passíveis de solução pela matemática (de que seu espírito estava imbuído), ao passo que os futuros bacharéis procuravam abordá-los pelos princípios jurídicos. Caso característico era (e talvez ainda seja) o da economia política. Os estudantes da Politécnica a tratavam com desdém pela ausência de métodos matemáticos (a que hoje se recorre como auxiliares ou como alternativas precisas e sintéticas da linguagem corrente), enquanto os futuros bacharéis se inclinavam para tratá-la como matéria paraliterária.  

 

Ambas as orientações eram deformativas: uma, porque as ciências sociais não são ciências exatas; outra, porque também não são paraliterárias.

 

Dos grupos de tendência matemática (econometria à parte) há os que, por deformação espiritual ou por carência de capacidade crítica, recorrem à extrapolação e à futurologia, como no caso do Hudson Institute.

 

Mas esses profetas do futuro só tinham como plataforma de partida os dados da história, sobre os quais extrapolavam usando funções, lineares ou homogêneas. Daí sua subordinação ao historicismo.

 

Eu tinha um amigo inglês que freqüentemente me dizia: “When things come back to normal” (quando as coisas voltarem à normalidade), a que eu retrucava que “as coisas nunca voltavam”; evoluem. A história não é repetitiva. E aí é que está a dificuldade de saber como e para onde evolui.

 

A crítica mais arrasadora que conheço do historicismo é o de Karl Popper na Pobreza do historicismo (título que parafraseia a Pobreza da filosofia, de Marx, o qual por sua vez ironizava a Filosofia da pobreza, de Proudhon).

 

Popper discerne bem a origem do historicismo no fato de que aqueles que vivem em um certo período da história inclinam-se erradamente a acreditar que as regularidades que observam em torno de si são leis sociais de caráter universal, válidas para todas as sociedades.

 

Sempre tive para mim que a regularidade dos ciclos de prosperidade e depressão é uma construction de l’esprit. Como também nunca confiei nos planejamentos quantitativos do futuro (que a Deus pertence) a que se dedicam economistas menos ocupados de um período econômico (ano, qüinqüênio, etc), fixando parâmetros de 10%, digamos, para a taxa de progressão do PNB, ou 12% para a taxa de inflação em 1973, ou o dia de São Sebastião para a inauguração da Ponte Rio - Niterói ou ainda o mês de setembro de 1971 (!) para a inauguração do horário de 5 horas (!) no percurso Rio -São Paulo da Central do Brasil...

 

Muitos devem ter sido os pecados que cometi quando Ministro da Fazenda. Mas asseguro que nenhum foi por falta de cumprimento de promessa, ou - melhor ainda – por ter prometido qualquer coisa. Sempre acreditei em procurar informar o público das intenções e dos planos gerais da administração. Nunca em prometer resultados quantitativos em prazos determinados.

 

Na Teoria do Crescimento Econômico, em vias de publicação, Mário Henrique Simonsen aborda de início, com extraordinária lucidez (o que para o autor é usual), a dinâmica apocalíptica pelo problema do determinismo histórico: “O prestígio desses modelos é psicologicamente compreensível: as angústias da humanidade provêm do desconhecimento do futuro, e as construções deterministas são as únicas que se propõem a revelar a evolução dos fatos sem a intromissão de condicionais. Um bom profeta deve possuir suficiente coragem de afirmar e isso recomenda que seus vaticínios sejam enquadrados numa moldura de determinismo histórico”.

 

Entre as construções econômicas de maior glamour cita o autor: a teoria clássica inglesa da evolução para o estado estacionário, a previsão marxista da derrocada do capitalismo por suas contradições internas, e a projeção estagnacionista da decadência do sistema pelas próprias condições da abundância.

 

A história foi suficientemente caprichosa, escreve Simonsen, para ir desmentindo, uma a uma, essas construções. Com a vantagem de terem provocado os cientistas sociais a descortinar a defesa contra os vaticínios catastróficos.

 

Nenhum dos construtores da dinâmica apocalíptica, como Malthus ou Marx, conseguiu até hoje acertar em suas previsões.

 

Nas páginas que se seguem desse primeiro capitulo vão-se sucessivamente esboroando, a golpes de racionalidade e de lucidez, os mitos da lei dos rendimentos decrescentes no caminha malthusiano para a miséria, a lei férrea dos salários conduzindo ao nível de subsistência, o determinismo histórico de Marx, a inexorabilidade da luta de classes, a famosa mais-valia, a ruptura violenta do sistema pela revolução do proletariado e por fim a tendência para a depressão que se inspira no modelo keynesiano.

 

Felizmente para a humanidade, remata Simonsen, os rendimentos decrescentes do fator trabalho e o desmoronamento do capitalismo foram contornados pela acumulação do capital e pelo progresso tecnológico.

 

 

 

*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

 

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

 

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)

 

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

 

 

Ricardo Bergamini
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