Artigo publicado no jornal "O Globo” do Rio de Janeiro, edição de 15/05/70.

O PENSAMENTO DO PROFESSOR EUGÊNIO GUDIN

 

Artigo publicado no jornal "O Globo” do Rio de Janeiro, edição de 15/05/70.

 

Quo Vadis?

 

"É verdade que muitos são os que não conseguem atingir o que almejam ou mesmo aquilo a que se julgam com direito; não obstante, o conhecimento exato daquilo que querem ou a que se julgam com direito é essencial para a compreensão de seu comportamento e de suas atitudes." – Bertrand de Jouvenel - Imperativos e atitudes psicológicas.

 

O ano 2000 está aí à vista no horizonte. Não para mim que não poderei vê-lo pela boa razão de que me foi dado ver o 1990; mas para a geração que ainda viu a Grande Depressão dos 30 e a Guerra dos 40.

 

As aventuras da futurologia baseiam-se sobre duas premissas: 1) a de "ceteris paribus"; 2) a de um progresso continuado e calculado na base de uma função homogênea e linear. Mas, em primeiro lugar "ceteris non sun paribus" e, em segundo lugar, tais sejam os acontecimentos imprevisíveis a função pode não ser linear nem homogênea.

 

Parece que os anos de milênio têm o efeito de meter medo à gente. No primeiro milênio, era o medo do fim do mundo; quando na realidade não havia para tal quaisquer razões plausíveis; muito mais as há para o ano 2000, em que a energia atômica nas mãos de algum aprendiz feiticeiro pode, de fato, tocar fogo no mundo.

 

No segundo milênio não é o medo do fim; é uma angústia mal definida.

 

"Vivemos", dizia o Presidente Nixon há poucos dias, "numa era de anarquia. Presenciamos ataques insensatos, contra todas as grandes instituições que foram criadas por civilizações livres nos últimos 500 anos".

 

Sem conta são estas expressões de uma juventude conturbada. Vuillermoz assim as resumiu, certa vez:

 

"Les jeunes générations d’aujourd’hui sont inquiètes et tourmentées, Elles vivent dans l’incertitude et l’angoisse et leur recherches fiévreuses dans tous les domaines attestent leur désarroi".

 

A crença de que a atual civilização é imperecível é uma idéia ingênua. A Constituição Americana promete o direito a "Life, liberty and the pursuit of happiness", mas isso não quer dizer que não haja retrocessos e até extinção, desta ou de qualquer civilização.

 

A civilização egípcia acabou. A grega não acabou, porque os romanos, que não eram bárbaros, incorporaram-na a seu patrimônio.

 

Mas a partir do século III AC, mesmo antes da conquista de Sylla, ela desapareceu como civilização autônoma. A de Roma acabou varrida pelos bárbaros. Gerada, escreveu Montesquieu, pelo valor pessoal de alguns dos imperadores, pelas virtudes republicanas de amor à Pátria e pela moderação e firmeza do Senado Romano, ela pereceu pela hipertrofia quase ilimitada do Império, pelas guerras longínquas, pela corrupção dos costumes. O que teria sido da civilização ocidental se Charles Martel não tivesse rechaçado os árabes na batalha de Poitiers ou se turcos não tivessem fracassado no século XV em seu avanço para o Oeste?

 

No abstrato, nada impede de conceber uma sociedade humana menos sequiosa de aumentar o potencial de sua máquina de produção. Contentando-se em assegurar a todos o mínimo necessário para uma existência decente. Isso poderia ser subscrito por J.J. Rousseau ou por Bergson.

 

J. P. Sartre exclama que o homem nasce livre e que entretanto vive acorrentado. E estes ferros que ele mesmo forjou, por que deles não se desvencilha?

 

A produção cresceu muito, mas as necessidades e os desejos cresceram paralelamente à produtividade do trabalho. Se os homens se contentassem com o padrão de vida de há 100 anos atrás, o potencial de produção de que hoje dispõem resolveria o problema. Cada um se contentaria com menos (há nessa hipótese uma contradição interna, porque, se o padrão de vida não tivesse criado novas exigências, a produtividade não teria sido a que foi). Quando é que essa corrida vai parar? – perguntam os jovens.

 

Porque, como observa Bertrand de Jouvenel, não é possível aderir, ao mesmo tempo, ao credo tecnológico de que o homem deve prosseguir indefinidamente seu esforço para um domínio cada vez maior da Natureza e à crença de que, em algum ponto desse processo, será atingida a boa vida; há evidente contradição, diz Jouvenel, entre a idéia dinâmica de um incessante progresso material e o conceito estático de uma plenitude generalizada e suficiente.

 

Dos dois lados do Atlântico, nos Estados Unidos como na França, apesar da desigualdade de desenvolvimento, o objetivo da qualidade da existência começa a rivalizar com o da quantidade, isto é, com o do produto per capita. Dois conhecidos expoentes dessas idéias são J. Galbraith nos EUA e Bertrand de Jouvenel na França. O primeiro é crítico da Affluent society (sociedade de consumo). Iríamos então para um padrão de vida mais baixo, com uma distribuição mais igualitária. Isto seria qualquer coisa de parecido com a sociedade comunista dos sovietes. Mas será que essa sociedade fez a felicidade do seu povo?! E será que o povo americano está disposto a desistir de seus atuais padrões de conforto?

 

Num país que já parece ter contornado os escolhos dos ciclos de prosperidade e de desemprego, estará o operariado disposto a trocar o atual sistema pela perspectiva de uma vida mais tranqüila, mas menos confortável e menos atrativa?

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