REVANCHISMO
- Sáb, 27 de Agosto de 2011
- Seção:
- Categoria: 1964
*Paulo Napoleão Nogueira da Silva
A Folha de São Paulo publicou (26.8.2001, Caderno 2, Cultura, p.1), A convivência dos militares com a democracia. Nela estão depoimentos de 14 ex-ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica sobre a ótica e o comportamento das Forças Armadas a partir da "Nova República".
O ponto comum nesses depoimentos é o revanchismo da mídia. Segundo o brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro, a Revolução de 1964 perdeu totalmente a batalha da mídia, até hoje é execrada, e nada do que foi positivo é noticiado. Como também disse o almirante Henrique Sabóia, a anistia foi estrada de uma via só: os militares anistiaram legalmente, mas até agora não foram moralmente anistiados. Na verdade, acrescentamos ao depoimento, essa atitude da mídia e da classe política desconfirma a Constituição.
Têm razão o brigadeiro e o almirante, como outros que depuseram no mesmo sentido. E no entanto, é de justiça reconhecer que no episódio da posse de José Sarney na Presidência, o que permitiu a volta do poder civil, as Forças Armadas se comportaram estritamente no seu papel de garantir o cumprimento da Constituição. E, quando do impedimento de Fernando Collor não se manifestaram: mais uma vez pautaram-se nas competências políticas previstas na Constituição.
O profissionalismo das Forças Armadas na sua missão constitucional, se já estava presente antes de 1985, acentuou-se depois do retorno pleno dos civis ao poder.
A propósito da Revolução de 1964, algo deve ser refletido e dito, a bem da verdade, e de não permitir que as gerações futuras continuem sendo culturalmente esbulhadas pelo absurdo conceito do "politicamente correto", no qual a mídia - sobretudo por ignorância e por falta de senso democrático - se encastela, transformando em correto o historicamente incorreto.
Quem deflagrou a revolução, os militares? Com certeza, não. Que já se conspirava em 1963, é certo; mas o que deu o seu "start" foram as "marchas da Família com Deus e pela liberdade", organizadas pela Igreja Católica, que reuniram mais de milhão de pessoas em São Paulo, outro tanto no Rio de Janeiro, assim como em Belo Horizonte, além de números menores, mas significativos, em outras cidades.
O que pretendia a Igreja? Apenas, lutar vigorosamente contra o comunismo que visivelmente tomava conta do governo de João Goulart. De anotar, ainda não havia os "padres de passeata" e sua "teologia da libertação". Mas, não foi só a Igreja quem protestou: políticos de todos os matizes viviam batendo às portas dos quartéis, clamando contra o avanço do comunismo.
Quando ficou claro que era preciso agir, quem organizou a revolução? Quatro civis: Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal "O Estado de São Paulo", Ademar de Barros, governador de São Paulo, Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, governador da Guanabara. Como articuladores militares, três marechais reformados -- Odílio Denys, ex-Ministro da Guerra de Juscelino e de Jânio, Nelson de Mello, ex-Chefe da Casa Militar de Juscelino, e Cordeiro de Farias, figura emblemática do Exército - e mais os almirantes Sílvio Heck e Grunevald Radmacker, e os brigadeiros Grün Moss e Correia de Mello.
Durante todo o regime "militar", quem foram os principais Ministros de Estado, os que verdadeiramente procediam à administração? Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões, Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto, na área econômica e financeira; Antônio Azeredo da Silveira e Mário Gibson Barbosa, nas relações exteriores; Ivo Arzua e outros civis, na Agricultura; Milton Campos, Gama e Silva, e Petrônio Portela, na Justiça; assim como em outros ministérios. Enfim, quase todos civis.
Mas, o que fez de bom o regime "militar", hoje é ocultado pela mídia que só se atém a aspectos que possam ser objeto - justa ou injustamente - de "malhação". Aqui, deve-se acautelar os internautas e leitores, não se está defendendo o retorno de um eventual regime de preponderância militar, mas somente defendendo a verdade histórica em relação ao que realmente ocorreu.
Não houve o denominado "milagre econômico brasileiro", porque milagres só Deus faz. Mas, houve, sim, uma grande realização humana: o Brasil, que em 1964 ocupava o 43° . lugar no "ranking" das economias mundiais - um verdadeiro vexame em face de suas dimensões continentais - em apenas oito anos, 1972 - já ocupava a 8° . posição!
A inflação, que no governo Goulart era de 81% ao mês, em um ano foi reduzida para 25% ao ano, e se manteve em patamares suportáveis durante anos. A agricultura tinha financiamento, sem burocracia ou entraves: a qualquer pequeno agricultor - imagine-se aos grandes - o Banco do Brasil dava crédito imediato. O reequipamento da industria, igualmente: o financiamento de máquinas pelo FINAME era concedido quase que no ato. Sem as falcatruas dos pseudo-projetos que no regime posterior a 1985 têm caracterizado a atuação da SUDAM, SUDENE e outros órgãos.
O Brasil passou a ter indústria naval, construindo navios para a maior parte do mundo, e concorrendo em pé de igualdade com as indústrias navais escandinava, inglesa, e norte-americana. Substituiu o obsoleto sistema de comunicações, pelas telecomunicações via satélite.
Além, a indústria bélica brasileira incomodava os Estados Unidos, Europa Ocidental, e União Soviética: seus clientes importadores eram a Líbia, o Iraque, o Irã, Israel, os próprios Estados Unidos, Grã-Bretanha, França etc.
Acima de tudo, não se cogitava de aumento de preços nos supermercados: meses e anos a fio, o consumidor encontrava o mesmo custo para todos os produtos; e não havia prateleiras vazias, como durante os cinco primeiros anos da "Nova República". A propósito, os combustíveis tiveram o mesmo custo durante anos.
E finalmente, a política era séria: não havia a pletora de "ambições menos dignas" - a que se referiu Rui Barbosa - disputando o primeiro lugar do Estado. Nem, presidentes ofendidos e desprestigiados, contestados, como agora, ou desmentindo no dia seguinte o que haviam afirmado na véspera.
Havia, além de tudo, um grande respeito institucional pela História do País, e pela formação cívica dos jovens: além das cadeiras de Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira, e de Estudos de Problemas Brasileiros, era celebrado o culto aos símbolos nacionais, inclusive com hasteamento da bandeira e canto do Hino no início das aulas. Mas, o poder civil pós-1985 acabou com tudo isso entendendo que era prática "militar".
A conseqüência é a de que os nossos jovens, hoje, antes de aprender a escrever no idioma nacional, preferem freqüentar cursos de inglês.
Em face dessas realidades, é de indagar por qual motivo a mídia continua penalizando as Forças Armadas, excluindo-as da anistia concedida pelo próprio regime de 1964.
A razão é simples. Em 1964 os militares saíram às ruas, motivados pelos apelos e "marchas" da sociedade civil e dos políticos, por entenderem que - no seu grosso - a classe política estava moralmente falida; entendimento que, anote-se, não seria inadequado nos dias atuais. Relembre-se, a propósito, que já no seu "Diário" de 1861, Dom Pedro II anotou só ver na classe política interesses e disputas pessoais: o problema é antigo.
Em virtude de sua constatação quanto à falência da classe política, o regime de 1964 cortou suas asas: competências foram retiradas ao Congresso, exigências foram impostas à criação de partidos. Tudo isso provocou grande ressentimento dos políticos - sempre preocupados com sua situação pessoal, e não com a do País - e provocou retaliação após 1985.
Ocorre que, para tal retaliação a classe política necessitava da comunicação de massa, da mídia; e esta também fora cortada no seu sensacionalismo e mercantilismo pela Revolução. Resultado: uniram-se ambas, após 1985, para execrar as Forças Armadas; temerosas - e, acautelando-se - de que não viessem a ser, no futuro novamente reduzidas às suas verdadeiras dimensões.
Assim, por obra da mídia e da classe política as atuais gerações são levadas a abominar o período de 1964-1985. Na verdade, se soubessem exatamente a realidade, talvez agradecessem por esse período, mormente nas circunstâncias em que ele se iniciou e desenvolveu.
Relembre-se, a partir de 1985 os consulados portugueses no Brasil chegaram a ter um número flutuante e permanente, superior a 250.000 brasileiros pedindo visto para irem viver em Portugal; a cidade de Governador Valadares tornou-se campeã nacional de imigrados para os Estados Unidos. Hoje, brasileiros continuam indo buscar melhores oportunidades em Portugal, Estados Unidos e Japão. Nada disso havia durante o denominado "ciclo militar".
E, a censura? Com certeza, ela é uma instituição nacional. Nada pior do que a censura de Floriano Peixoto, de Artur Bernardes nos seus quatro anos sob estado de sítio, e de Vargas.
Entretanto, muito pior é a censura atual da "democratura" civil que vivemos, com a mídia inteiramente aliada ao governo - cooptada e "bancada" - só veiculando o que for do interesse deste e das oligarquias das quais uma e outro dependem.
"Fazem as cabeças" de incautos telespectadores, como foi no caso de um programa da Rede Globo - "Fantástico" -- sobre os "perigos" dos remédios elaborados à base de ervas medicinais, como se não fosse isso o que os laboratórios fazem; e sobre o aumento da "carteira assinada", óbvia fonte de arrecadação para o Estado loteado por facções políticas, que malversam impunemente o dinheiro público arrecadado com a tal "carteira assinada". Em qualquer país que se preza, ninguém recolhe para a previdência social: todos se aposentam ao atingir os limites de idade estabelecidos, e o dinheiro sai do recolhimento normal dos impostos.
Parece que está na hora de o povo brasileiro ser libertado dessa submissão, desse condicionamento de consciências, feito a quatro mãos pela classe política e pela mídia. De ter, enfim, a sua História não mais sujeita à decomposição dos cadáveres, mas conhecida e mantida na sua verdadeira feição e nos seus reais significados. É hora de alguma coisa ser feita.
* O autor é Jornalista. www.brasilrealidade.com.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.