O Socialismo Cristão

Ricardo Bergamini

O precursor do socialismo cristão é Robert de Lamennais (1782-1852), um padre católico francês.

Na Inglaterra, o chefe socialista cristão foi Charles Kingsley (1819-1875). No continente, os líderes foram Le Play e Villeneuve-Bargemont. Os socialistas cristãos empregavam os ensinamentos de Cristo para justificar a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Reviveram o movimento cooperativista e fizeram experimentos de cooperação, e de vida em comum, de acordo com o modelo de Fourier; mas estes “falanstérios” também acabaram fracassando.

O documento que consagra a doutrina social da Igreja é a famosa encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII, “o Papa do proletariado”. A encíclica repudia energicamente a doutrina marxista de luta de classes, e reconhece a propriedade privada como um direito natural. Mas condena com veemência os abusos dos capitalistas e aponta os direitos e deveres de patrões e operários, de acordo com a justiça e os princípios da caridade evangélica.

A encíclica reconhece a existência e a gravidade da questão operária. Afirma, porém, que a solução socialista é falsa e injusta; por outra parte, o socialismo desestimularia o trabalho, criaria conflitos e ódios constantes, e acabaria levando à miséria.

Somente a Igreja pode oferecer, ao mesmo tempo, as soluções de caráter humano e as de cunho divino. Entre estas, temos: a própria doutrina da Igreja, seus preceitos e sua ação benéfica. Com respeito à sua doutrina, “a Igreja ensina que existe uma desigualdade natural, necessária e conveniente para o homem, que não pode pretender livra-se das penalidades da vida presente”.

As relações entre o capital e o trabalho devem ser de colaboração - não de luta. Os ricos devem atentar para os perigos da riqueza. E os pobres devem lembra-se que não constituem desdouro, nem o trabalho, nem a pobreza.

“A concepção materialista da História e a negação do direito natural à propriedade particular, contrária aos princípios defendidos pela Igreja e pela Doutrina Cristã – levaram Leão XIII a formular, de uma vez por todas, as linhas mestras da conduta, no plano econômico, tanto para a classe patronal, como para a classe operária. Sua encíclica é uma verdadeira” Carta do Trabalho “, onde foram formuladas as bases fundamentais duma verdadeira legislação social, de cujos flancos, na prática, surgiu todo o Direito Social moderno. O problema do salário justo, a jornada do trabalho, a previdência social, a legitimidade da associação de classes, etc - tudo foi considerado neste magno documento” (Olbiano de Mello, Economia política).

A Rerum Novarum foi confirmada por Pio XI, na encíclica “Quadragesimo Anno” (1931). “O quadragésimo aniversário da Rerum Novarum de Leão XIII foi comemorado com grande revisão de toda questão do capital e trabalho, da natureza e valor do socialismo como remédio para os abusos do capitalismo, do papel que os católicos tinham exercido – e deixado de exercer – no movimento mundial em prol da melhoria da sociedade. O Papa mais uma vez acentuou que essa complexidade de problemas é no fundo, questão de moral e não de técnica” (Hughes, História da Igreja Católica).

Pio XI, já com base nos experimentos em prática na Rússia (marxismo-leninismo) e na Itália (fascismo), elucidou mais ainda o pensamento de Leão XIII e enumerou os pontos essenciais na solução da luta de classes: regime de co-propriedade na empresa; regime de co-gestão, na administração da empresa; regime de propriedade particular; justiça social.

A doutrina social da Igreja foi recentemente ampliada, por João XXIII, que tem sido chamado de “Papa Socialista”. Numa polifonia de sentimentos e doutrinas, a encíclica “Pacem in terris” (1958) constitui “uma síntese completa da posição da Igreja perante todas as complexas relações entre os membros da família humana; direitos e deveres do indivíduo, suas relações com o Estado, relações entre os Estados e definição do bem comum”. Há referências favoráveis aos serviços estatais de previdência social, à absoluta igualdade racial, à promoção de empregos para todos, a ONU, ao desarmamento. Admite, até, a necessidade de um governo mundial. Faz distinção entre falsas doutrinas sobre a natureza humana (o comunismo, por exemplo), com as quais a Igreja não pode transigir, e “os movimentos históricos com objetivos econômicos, sociais, culturais ou políticos” (como, por exemplo, o coletivismo soviético) que a Igreja pode tolerar porque são suscetíveis de “constante evolução”.

Deus estabeleceu uma ordem no universo, como o revela o maravilhoso progresso da ciência; e também estabeleceu normas de ordem entre os homens. As leis da ordem humana devem ser procuradas, não nas forças físicas do universo, mas no coração e na consciência.

Todo ser humano se acha dotado de inteligência, livre arbítrio, direitos, deveres e dignidade. Entre os direitos humanos estão o da iniciativa econômica e o da propriedade privada, “inclusive dos bens de produção”. Mas este direito implica o “dever social” de colaborar com as empresas comuns que garantam ninguém passar fome. Sobre este dever fundamenta a Igreja sua justificação do Estado paternalista.

Na corajosa encíclica “Mater et Magistra” (1961), de tão profundas repercussões mundiais, o Papa João XXIII focaliza novos aspectos da questão social, em primeiro lugar, “a agricultura, setor subdesenvolvido”, o regime fiscal, a defesa dos preços, as empresas agrícolas e, depois, as exigências de justiça nas relações entre países de diferente desenvolvimento econômico, os incrementos demográficos e a colaboração no plano mundial. “A Encíclica conclui com um salto às alturas, recordando que a questão social não constitui apenas um problema de estomago: deve considerar o homem como ele é, na sua inteireza, feito de corpo e alma, peregrino sobre a terra, cidadão do Céu” (Padre José Valsania).

 

 

O autor é Professor de Economia

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